Felizes para sempre

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Miriam Gimenes

Ninguém casa para, depois de um tempo, se separar. Mas se isso ocorre, o que pode parecer o fim do mundo, deve ser levado como um recomeço.

Fernanda trabalha como cerimonialista de casamentos. Ela celebra o amor quase que diariamente, mas começa a desacreditar dele. É que dentro de casa, oito anos após  seu enlace com Tom, vê o relacionamento cair na mesmice, perder aquele fogo inicial. O interesse – de ambos –, ainda que tentem, não existe mais. Comenta isso com seu amigo Aníbal, com quem divide a sociedade na empresa, além das alegrias e tristezas pessoais.

Tenta levar, mesmo assim, o casamento. Até que vê no celular do marido a mensagem de outra mulher. Ela pede a separação e o seu mundo desmorona na proporção em que as lágrimas caem do seu rosto. Parece que não vai conseguir mais ser feliz. Tenta sair, mas não vê graça em ninguém. Vai ao médico e acha que está velha para começar novo relacionamento. Decide viajar para o Exterior com Aníbal e lá conhece um rapaz, que depois descobre ser casado. E ela só percebe que conseguirá, sim, ser feliz de novo quando se amar primeiro, quando ela se bastar.

Este é o enredo do filme Minha Vida em Marte, estrelado por Mônica Martelli e Paulo Gustavo, que há pouco foi sucesso de bilheteria – ultrapassou a marca de 5 milhões de espectadores e ficou entre os dez filmes mais vistos da história do cinema nacional. É claro que a história é ótima, faz rir e chorar ao mesmo tempo, mas vai além: ela se encaixa com a realidade de inúmeras mulheres, que facilmente se identificam com Fernanda, e mostra que é possível sorrir após a tempestade.  

Na ocasião do lançamento do filme,  Mônica, que criou Fernanda há mais de uma década para uma peça,  reconheceu ser difícil para uma mulher se separar depois dos 40 anos, mas com a maturidade para entender o momento e a força de amigos, o processo se torna mais fácil. “Fernanda corre atrás para lutar pelo casamento, porque a gente, quando casa, quer que dê certo, mas ela também não abre mão de tudo por um projeto de família feliz. Ela passa toda crise com o melhor amigo do lado. E a gente descobre que muitos momentos felizes que a gente tem na vida não necessariamente está com marido ou namorado ao lado, pode estar com um amigo. Essa é a grande mensagem do filme”, analisa a atriz. 

E para quem não tem um amigo como Anibal, a quem recorrer? Foi por causa dessa falta que a empresária  Valéria Ruiz, 45 anos, criou, em 2015, o projeto Bem Separadas, após fazer um curso de coaching. “Eu já tinha uma empresa e queria contribuir com a vida das pessoas. Durante esse processo (do curso) acabei montando a empresa porque percebi que as outras pessoas tinham as mesmas dificuldades que tive quando me separei, depois de 19 anos casada. Não dá para falar: ‘Conta, não vou te pagar porque estou triste’. São muitas coisas que impactam na hora da separação. Além da parte psicológica, tem a situação financeira, que acaba deixando as mulheres presas, além da questão dos filhos.” Montou, portanto, a empresa, que tem uma série de profissionais de diferentes áreas, como jurídica, saúde, psicologia e empreendedorismo, que dão suporte a quem acabou de se divorciar. 

Durante dez encontros, a equipe tenta tirar a pessoa do lugar de dor e sofrimento em que ela se encontra para a redenção. “A gente caminha até final das sessões para onde a pessoa deseja estar, com novas possibilidades. Falamos sobre sexo, sobre filhos, autoestima e as ensinamos a terem independência financeira. Vamos fazer o fechamento daquele ciclo para abertura de novos”, explica, acrescentando que tem homens que procuram o seu trabalho também. “Muitos reclamam que as pessoas acham que homem não sofre, o que não é verdade. De uma maneira geral,  acho que o homem demora um pouco mais para buscar ajuda”, ressalta. E vai além. “Nós não fomos educados a ter que fechar ciclos. Cada vez que a gente vai fechar um ciclo ou da parte profissional ou relacionamento temos dificuldade. Mas é  possível fechá-lo e se preparar para outros. Existe vida após após o divórcio e ela pode ser muito melhor. Se a relação acabou é porque não estava legal.”

Recém-chegada a São Paulo, Valéria vai fazer workshops sobre relacionamentos – a programação estará no site www.bemseparadas.com.br –, e cobra a cada seis sessões de coaching R$ 997 (divididos em 12 vezes).  

COMEÇAR DE NOVO

E desfazer um relacionamento, ainda que a pessoa tenha passado dos 40, pode ser visto como uma libertação e não motivo de desespero. Como ressalta Mônica Martelli, a maturidade tem suas vantagens.  Tanto que o número de divórcios de pessoas com mais de 50 anos, segundo pesquisa recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quase dobrou nos últimos dez anos. Entre os principais motivos estão falta de companheirismo, falta de sexo, doenças crônicas, saída dos filhos de casa, aposentadoria, entre outras coisas. 

A norte-americana Jennifer Lobo, criadora de um site de relacionamentos, diz que as pessoas que ficam casadas por muito tempo  acabam acreditando que não encontrarão um novo amor. Por isso essa decisão pode causar insegurança. “Principalmente quando a união desfeita representou um ‘fardo’. Elas têm, acima de tudo, medo do desconhecido e, muitas vezes, receio de arriscar. São tantos os medos que elas acabam se fechando para a vida, achando que já viveram tudo. Mas as pessoas maduras de hoje são muito mais saudáveis, vivem mais e melhor e não pretendem ser solitárias. Quando percebem que há muita vida ainda para ser aproveitada, passam a buscar uma nova companhia”, acredita. 

Mirar em outros exemplos, segundo ela, pode ser uma saída para dar fim à tristeza, embora seja importante viver o luto de um fim de relacionamento. “Muitas vezes, quando ouvem que o amigo do amigo se deu bem, pensam: ‘Se ele conseguiu, também posso!’ Além disso, muitas pessoas se separam porque, dentre outras razões, cansaram dos relacionamentos anteriores. Os filhos estão criados e encaminhados, a estabilidade financeira e profissional já foi conquistada. É o momento de ser um pouco egoísta e pensar no que desejo para os próximos anos da minha vida. A busca da felicidade passa a ser prioridade e inclui sempre um novo amor.” Em suma, é o momento de seguir adiante.

E por falar nisso, há dois anos três amigas que haviam se separado – Tabata, Fabiana e Rita – criaram o canal Segue o Baile a fim de ajudar a outras mulheres a passarem de uma maneira mais amena por este processo. Quase como uma terapia, passaram a postar vídeos de conversas ‘entre amigas’ e alguns especialistas em que discutem diversos temas que envolvem a separação, entre eles ‘como tomaram essa decisão’, programas de recém-solteiras, a primeira viagem sozinha etc. 

 “Eu e Fabiana nos separamos muito perto. Eu tinha 12 anos de casada e ela, dez. Para gente é muito dolorido. Dor de amor não é mimimi. São planos, é uma vida, tem um futuro planejado. É muito sofrido, é uma quebra de tudo, a família do outro, dos amigos. De uma hora para outra parece que você perde muita coisa”, diz a jornalista Tabata Pitol, 39, de São Caetano. “Quando me separei queria muito achar na internet quanto tempo eu ia sofrer, quanto tempo ia doer tanto. Não achei.” Em conversa com as amigas, decidiram, então, criar o canal.  “A nossa intenção nunca foi de se vingar dos ex-maridos. Nunca falamos seus nomes, profissão etc. A intenção foi juntar pessoas que passavam por isso para, juntas, melhorarmos. Na verdade, é ‘um monte de mulher’ tentando se ajudar e sair dessa”, destaca 

E funcionou. Tabata diz que hoje vê os primeiros vídeos postados e não se reconhece mais. E a ajuda das suas amigas foi essencial nesse processo. “É o lance da sororidade, mostrar que não é só o outro que sofre. Hoje em dia todo mundo só posta nas redes sociais o bonito, o feliz. Quando você não está nessa situação se sente um ET. E nós mostramos o que passamos, como estávamos conseguindo melhorar.” 

No caso de Tabata, o contato zero com o ex-marido foi uma saída. “A gente não gosta muito das regra, é um processo que cada um passa, tem suas similaridades, mas também tem suas diferenças. Descobri que aquela pergunta que me levou para internet não tinha uma resposta certa. O que aprendi é que uma hora passa, se não passa vira doença. Tristeza faz parte da vida e depressão não.”

Tabata também descobriu, junto com Rita e Fabiana, que é possível viver por ela mesma e não depositar no outro todas as expectativas. “E isso envolve uma série de coisas. Quando você passa pela coisa que te dá mais medo, você se fortalece. O meu maior medo era que aquele projeto de família não desse certo. E daí acontece com você, que sobrevive e   fica muito poderosa.” Isso não quer dizer, no entanto, que não é necessário encontrar um novo amor. “É gostoso ter com quem compartilhar, mas a felicidade chega no momento em que você consegue ser feliz sozinha. Sinto prazer na minha companhia, fiz viagens para o Exterior e fiquei bem.”

A jornalista aprendeu a se bastar. “Quando está feliz com você, está feliz o tempo todo. Isso é a verdadeira felicidade, não depender de nada e estar completamente em paz. Nós chegamos em um momento que pelo menos por um ex-casamento a gente não sofre mais. Sofre pelo emprego, um crush que não dá certo, mas aquela sensação que tem no começo, de que ‘nunca mais vou amar de novo’, ‘nunca mais vou ser feliz desse jeito’, isso não é verdade. Você sai de tudo isso e é gostoso”, garante.

 



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