Rock anos 80

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Andréa Ciaffone

Fotos: Banco de dados

 No fim do verão de 1984, Vital e Sua Moto invadiam o dial “porque de carro era baixo-astral”... A bateria vigorosa, o baixo decidido e a guitarra furiosa tinham sabor de The Police (que eu tinha estudado cuidadosamente nos intervalos da Cultura Inglesa) enquanto a letra era suficientemente debochada para ser cool (descolada é palavra que só surgiria nos anos 1990). Irresistível. Gravei Vital em uma fita cassete para ouvir em meu walkman no trajeto de ônibus de casa até o Objetivo da Paulista. Aquelas férias tinham sido bem diferentes. No aniversário de São Paulo, nada de passeio no Ibirapuera. Pegamos carona com o pai de um amigo, que era jornalista, e fomos para o comício das Diretas Já. Cantamos Coração de Estudante e ouvimos Osmar Santos tocar Inútil, de uma banda chamada Ultraje a Rigor, que tinha tudo para ser vetada por dona Solange, a chefe da censura na época, que retalhava filmes, impedia a veiculação de músicas e chegou a proibir o filme Je Vous Salue Marie, de Jean-Luc Goddard. Mas a trilogia Star Wars escapou da sua sanha e pudemos ver Luke Skywalker, o herói da Aliança Rebelde, descobrir que o representante máximo da ditadura imperial, Darth Vader, era seu pai. “Luke, I’m you father!” era uma frase que ressoava nos nossos ouvidos. A censura não percebeu a descarada metáfora das relações entre a nossa geração e a dos nossos pais. Só anos depois a gente descobriria, por meio de Renato Russo, que “eles são crianças como vocês”. Bem, mas foi um grande verão... Quente, como nunca antes. Até hoje, o recorde oficial de calor no Rio de Janeiro pertence a 1984, quando os termômetros registraram 43,2ºC.

Mas, voltando ao Vital, sua moto e os Paralamas do Sucesso que iam tocar na Capital, o fato é que, daquele ponto em diante, minha geração Coca-Cola tinha a sua própria música: o rock brasileiro, ou BRock, como foi batizado por Nelson Motta, parceiro de Lulu Santos na criação do zen-surfismo, espécie de mistura entre rock e balada que nos prometia ir para a Califórnia e viver a vida sobre as ondas. Até hoje em alta, Lulu fechou 1984 com Certas Coisas na 49ª posição entre as mais tocadas e Tudo Azul na 87ª, mas era zen demais para quem tinha como referência a energia e – por que não dizer? – a raiva do rock inglês.

Por isso, a produção mais ácida que começou a chegar às rádios e danceterias em 1984 mexeu tanto com a moçada. Nas férias de julho, em Campos do Jordão, a histeria era para ver Os Titãs do Iê-iê-iê, que iam tocar seu hit Sonífera Ilha e fazer uma concorrência totalmente desleal com as peças clássicas do Festival de Inverno.

O legal era que o nome da banda deixava claro que eles eram filhos da Jovem Guarda, do Roberto e do Erasmo das tardes de domingo, dos carrões e do jeans justo. Uma proposta que nos anos 1970 se transformaria em botões de blusas, Cavalgadas e Detalhes. O fato é que Sonífera Ilha passou para a história como a canção mais executada no Brasil em 1984. O som daqueles (oito!) filhos da garoa depois se mostraria mais próximo do punk rock do Sex Pistols do que dos Beatles. Tanto que o iê-iê-iê dançou rapidamente.

Aliás, dançar era fundamental nos anos 1980. Ainda me lembro daquele beijo, spank punk violento, iluminando o céu cinzento... Como sempre, Lobão roubou a cena com a levada forte da ‘batera’ e uma letra entre o romântico e o sexy... Ouvi Corações Psicodélicos pela primeira vez enquanto esperava começar o show do Ultraje a Rigor na Latitude 3001, um enorme barco transformado em danceteria. Naquele ano, Lobão e Os Ronaldos (outro nome que tinha a Jovem Guarda como referência) ficou na 24ª posição entre as mais tocadas com o hit Me Chama, que conquistou com o refrão “nem sempre se vê lágrimas no escuro”... Mas, mesmo nada pródigo em iluminação no seu interior, o circuito paulistano de danceterias era cenário ideal para o rock brasileiro que nascia e incluía, entre outras, Radar Tantã, Rádio Clube e Raio Laser. Foi nessa última que assisti a uma das apresentações mais impactantes daquela década e das que viriam: Barão Vermelho. O vocalista tinha um nome estranhamente regional: Cazuza, mas era a coisa mais transcendente que eu já tinha visto em um artista brasileiro. Com cabelos cacheados, faixa na cabeça, jeans justo e uma atitude cheia de rebeldia sexy, o sujeito era uma mistura de Jim Morrison com... alguma coisa do outro mundo. E não é que o cara tinha língua presa?! Mas o som era potente, as letras eram inquietantes, divertidas, proféticas e em português! Quem tem um sonho não dança/Bete Balanço, por favor! Me avise quando for embora...

O ano voou. E, no balanço das horas tudo mudou, como diria a francesa Virginie do Metrô, grupo que ficou enterrado nas areias do tempo, mas foi sucesso em 1984 com suas baladinhas soft rock. No fim, o segundo lugar entre as mais tocadas ficou com Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, com a canção Como eu Quero, em que uma improvável voz feminina dizia em alto e bom som que ia “transformar o seu rascunho em arte final”. Coisa para deixar os machistas da época de cabelo em pé! Vale notar que abelha e abóboras também ficaram nas posições 39ª, com Fixação; 42ª, com Nada Tanto Assim, e 65ª, com Por que não eu? O LP que trazia essas canções vendeu 190 mil cópias naquele ano. E o público continua como dona Paula quer: o trabalho do Kid Abelha de 2010 vendeu 100 mil cópias em plena era da internet.

O terceiro lugar de 1984 ficou com Steve Wonder (I Just Called To Say I Love You) e o quarto ficou com Óculos, em que Herbert Vianna expunha que as garotas do Leblon não olhavam mais para ele. Os garotos, no entanto, nunca puderam chamá-lo de prego. Afinal, era ele quem estava namorando a musa Paula Toller e os Paralamas estavam estourados na parada de sucessos: Meu Erro foi a 22ª mais tocada e SKA ficou com a 100ª posição. O disco O Passo do Lui, que trazia essas canções, vendeu 700 mil cópias naquele ano. Hoje, cada 100 mil representa um disco de platina.

Todos eles na frente de Chico Buarque, que ficou em quinto lugar com o samba político Vai Passar. A inversão de valores que essa lista revela nada tem de aleatória. Ao contrário, é prof&eac



Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados