Herói da classe trabalhadora, Servílio vira filme

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Beatriz Mirelle

A história de Servílio de Oliveira, primeiro brasileiro a ser medalhista olímpico no boxe, vai virar filme, com lançamento previsto para o início de 2025. Nascido no Ipiranga, em São Paulo, ele consagrou sua carreira em Santo André, cidade em que mora até hoje. Quando atingiu a maioridade, iniciou uma dupla jornada para conciliar o trabalho na Pirelli com os treinos – o que lhe rendeu um legado no esporte nacional a partir do desempenho nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México.  

A infância no Ipiranga, a primeira visita ao Grande ABC, em 1966, a oportunidade e as diretrizes dadas pelo técnico Antonio Ângelo Carollo, responsável pela equipe da Pirelli entre as décadas de 1960 e 1990, e a vida como metalúrgico e pugilista serão alguns dos temas abordados no longa metragem da Murmur Filmes, produtora audiovisual da região. 
 
Em entrevista ao Diário, Servílio, o diretor Guilherme Escapacherri e o produtor Luciano Mello compartilharam as experiências durante as gravações, entre março e setembro. 
 
“O filme foca nessa personalidade, que é um herói da classe trabalhadora. Proletariado, ele trabalhava de dia e treinava à noite. Conseguiu conquistar o mundo desse jeito”, exalta Escapacherri. “O Grande ABC é muito exaltado pela cultura operária, mas somos mais do que isso. A região tem grandes nomes do esporte e da arte. Queremos que cada vez mais pessoas conheçam trajetórias como essa”, continua. 
 
O projeto do longa metragem Servílio foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo, no edital de 2023 da Prefeitura andreense. Ao todo, 15 profissionais participaram das gravações, que foram feitas em Santo André, São Bernardo e na Capital paulista. 
 
“A dupla jornada era muito difícil. Poucos atletas tinham o privilégio de focar apenas no esporte. Naquela época, as empresas eram responsáveis pelo investimento. Então, a maioria trabalhava nas fábricas e, depois, treinava. Eu, humildemente, com meus 50 quilos, fiz a diferença e mostrei que tamanho não é documento”, relembra Servílio, que lutou pela primeira vez no Complexo esportivo Pedro Dell’Antonia, em Santo André. 
 
De acordo com o ex-pugilista, ele costumava chegar ao clube da Pirelli às 6h. Mesmo com os portões fechados, pulava o muro, fazia aquecimento em torno do campo, tomava banho e entrava para trabalhar das 8h às 17h. No fim da tarde, retornava ao local para treinar. 
 
“Tive a felicidade de conquistar a primeira medalha olímpica do Brasil. Agora, me sinto orgulhoso em poder gravar minha história. Foi gratificante receber o convite (do filme). É algo que ficará para sempre.” 
 
Nos Jogos Olímpicos no México, Servílio se consagrou como o primeiro brasileiro a subir no pódio na modalidade de boxe para receber a medalha de bronze. Somente 44 anos depois, em 2012, o País conquistou outro pódio no esporte, com a prata de Esquiva Falcão, na Olimpíada de Londres. 
 
Agora, aos 76 anos, Servílio de Oliveira, que se formou bacharel em Direito em 2015, trabalha como comentarista de boxe na ESPN, carreira que começou na década de 1990. 
 
“Ao longo dos meses de gravação, fizemos filmagens na casa onde o Servílio morou no Ipiranga, em uma academia de boxe no Rudge Ramos, na ESPN. Ele nos forneceu um arquivo pessoal muito extenso. Passamos dois dias inteiros digitalizando os materiais”, destacou Luciano Mello. 
 
Segundo o produtor, o roteiro também citou contextos históricos, como as expulsões dos atletas Tommie Smith e John Carlos pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos nos mesmos Jogos de 1968, por causa de protesto contra discriminação racial, e o Golpe de Estado no Chile, em 1973. “O Servílio estava no Chile nessa época. É essencial pensar que ele não só fez história, como viveu momentos extremamente marcantes para contextos políticos.” 
 
Discriminação racial é uma das lutas fora dos ringues
 
Os treinos pesados de Servílio de Oliveira o prepararam para ser um dos melhores pugilistas durante sua carreira profissional e, depois, coordenador técnico da equipe do AD (Associação Desportiva) São Caetano de boxe. Mas, fora dos ringues, o ex-pugilista ainda precisa enfrentar um grande adversário: o racismo. Inspirado por personalidades como Malcolm X, Muhammad Ali e Martin Luther King Jr., ele ressalta os avanços conquistados graças à luta pelos direitos humanos. 
 
“Na Olimpíada na Cidade do México, em 1968, que eu participei, os atletas Tommie Smith e John Carlos estenderam os punhos cerrados em protesto contra o racismo e foram penalizados por isso. Na época, não percebi a importância desse ato. Só fui compreender algumas coisas, como o ativismo negro e os movimentos estudantis que aconteciam naquele momento, com o passar dos anos.”
 
Aos 76 anos, ele acredita que a discriminação racial ainda está longe de acabar. “Eu percebo o racismo até hoje. Parece que as pessoas se incomodam apenas por você ser negro. Sinto isso quando vou a restaurantes, teatros. Olho para os lados e não vejo outras pessoas parecidas comigo. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e as consequências dessa história permanecem”, avalia. 
 
Além de não avistar o fim do racismo, ele mantém o tom crítico em relação à baixa representatividade. “Temos mais informações sobre a questão racial por causa dos meios de comunicação e vivemos em um país em que a maioria é de pretos e pardos. Mesmo assim, nossa participação em lugares de poder, como na política, ainda é pequena, tal como acontece com as mulheres, mas ainda espero que, aos poucos, possamos mudar esse cenário.” 



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