Apenas diferente

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Miriam Gimenes e Vanessa Soares

Vinícius tinha 4 anos e meio e não conseguia se livrar das fraldas. A mãe, Patricia Freitas, de São Bernardo, começou achar estranho o menino pedir para colocá-la toda vez que ia evacuar e o levou a uma psicóloga. Depois, por conselho da profissional, passou também com neurologista. Após ver vídeos do garoto em casa, acompanhá-lo em suas aulas na escola, pedir inúmeros exames e anotar outras características, veio o diagnóstico, fechado em dois anos: o garoto, que hoje tem 12, é autista. “Foi como se tivesse aberto um buraco no chão e me jogado lá dentro. Foi um choque”, lembra.

As surpresas não pararam por aí. Patrícia teve uma segunda gravidez não planejada e assim nasceu o caçula, Felipe, 5. “O primeiro ano foi tranquilo mas, com 1 ano e 2 meses, ele perdeu a fala. Completamente. Como já tinha lido muito por conta do Vinícius sabia que era característica do autismo.” Ela ainda demorou um pouco para procurar ajuda e o levou para avaliação mais de um ano depois. O diagnóstico foi o mesmo do primogênito. A diferença é que o autismo de Felipe é mais severo e ele tem muita estereotipia – respostas repetitivas que visam a autoestimulação –, traço marcante para quem recebe este diagnóstico. Entre os mais comuns estão necessidade exacerbada de movimento; flapping (o balançar das mãos); pular em cama, sofá, no chão, na frente da TV; girar sobre o próprio eixo; olhar objetos que giram; gestos repetitivos para frente e para trás; correr sem função ou objetivo claro; andar na ponta dos pés; mover dedos e mãos na frente dos olhos, entre outros.

O autismo, cujo Dia Mundial de Conscientização é comemorado em 2 de abril, é chamado pelos especialistas de TEA (Transtorno do Espectro Autista). Trata-se de distúrbio de desenvolvimento que afeta três áreas do comportamento: social (conduta de isolamento), fala (atraso no desenvolvimento) e estereotipias (demonstrar comportamentos repetitivos). De acordo com Paulo Breins, neuropediatra do Hospital e Maternidade Brasil, o indivíduo nasce com o transtorno, mas a causa é desconhecida. “Ainda não é possível afirmar o que provoca o autismo, mas estudos mostram fortes evidências de que é provocado por algum fator genético”, explica. O primeiro registro do TEA foi feito em 1908 por Eugen Bleuler, psiquiatra suíço que usou o termo autismo para descrever grupo de sintomas relacionados à esquizofrenia. Hoje, mais de um século depois, o conhecimento sobre o que seria evoluiu, mas ainda há muito para ser descoberto.

O diagnóstico é complexo, como pode ser observado nos casos de Vinícius e Felipe. A psicóloga e analista de comportamento Suzana Pauluci, especialista no tratamento de crianças portadoras do transtorno na clínica paulista Comunicare, explica que não existe um marcador biológico que indique o autismo. “Os exames neurológicos não apresentam nenhuma alteração. As diferenças são completamente comportamentais.” Além disso, o indivíduo precisa apresentar deficit nas três áreas em questão, independentemente do grau de comprometimento de cada uma delas. Quanto mais cedo um paciente receber o diagnóstico e iniciar o tratamento, melhores são os resultados. O papel do neurologista é fundamental neste processo. “É possível descobrir o transtorno já no primeiro ano de vida. Desde o nascimento, os bebês têm marcos no desenvolvimento. Qualquer atraso deve acender um alerta”, informa Breins.

Tratar também não é tarefa fácil, uma vez que não é questão exata. De acordo com Pauluci, cada portador de autismo é de um jeito e possui necessidades diferentes. Patrícia diz que, com Vinícius, por exemplo, quando era mais novo, ela precisava prepará-lo para tudo que ia acontecer no dia. “Se ele fosse para uma festa de aniversário tinha de contar o que teria lá para que ficasse menos ansioso. Se chegasse e se deparasse com o barulho, ficava com medo de ir nos brinquedos, chorava muito”, lembra. Além disso, também é muito importante o trabalho multidisciplinar que envolve neurologista, terapeuta ocupacional, psicólogo e fonoaudiólogo, além da escola em que a criança estuda. No caso de Vinícius, ele tem uma auxiliar que fica o tempo todo com ele em sala para ajudá-lo a copiar as tarefas, algo que se recusa a fazer. “Vinícius é muito inteligente, tem o QI acima da média. Diz que tudo que está no quadro grava na cabeça e não quer copiar. E, se perguntar depois o que estava escrito na lousa, ele sabe mesmo. As escolas por onde passou antes da que está hoje, que é realmente de inclusão, achavam que era preguiça e o obrigavam a copiar. Isso o deixava desestabilizado.”

TRATAMENTO

Outra dificuldade, em se tratando especialmente de Brasil, é encontrar clínicas e profissionais preparados para realizar a terapia adequada com as crianças, uma vez que o único método cientificamente comprovado é o ABA (Análise do comportamento aplicado, na tradução literal). O procedimento tem dois objetivos, interromper comportamentos que atrapalhem a aprendizagem e ensinar, de acordo com a idade, funções básicas como falar, brincar, esperar, seguir regras, habilidades motoras e sociais, entre outras.

Os altos valores para um tratamento completo também são empecilhos para quem não tem condições. O mínimo necessário são acompanhamentos terapêuticos e com fonoaudiólogo. Uma sessão custa, em média, entre R$ 100 e R$ 200, sendo necessárias, em alguns casos, três sessões semanais de cada especialista. Outras terapias complementares como musicalização, equoterapia, hidroterapia e pedagogia especializada podem ser indicadas, tornando o custo exorbitante. Pelo SUS (Sistema Único de Saúde) os pacientes são encaminhados para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), mas o tratamento não é específico. Em São Paulo, a Lei 15.668, de janeiro do ano passado, tornou obrigatória a disponibilização do tratamento gratuito em todo o Estado. Apesar disso, apenas cinco clínicas estão credenciadas a realizar o atendimento.

É importante, em qualquer uma das situações, que as crianças tenham o apoio incondicional dos pais e familiares. É o caso do apresentador Marcos Mion, que não esconde que o filho Romeo, 9, tem autismo. No Natal, postou texto emocionante sobre o pedido de presente do primogênito. O garoto pediu apenas uma escova de dentes azul e, com sua singeleza, tocou o coração do pai e das milhares de pessoas que souberam da história contada em rede social. No post, ele se diz “abençoado e extremamente feliz por ter sido escolhido por Deus para ser pai de uma criança autista, o



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