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Vanessa Soares
Marina Menegazzo, 22, e María José Coni, 21. Jovens da província de Mendonza, na Argentina, vivendo a flor da idade. Elas viajavam como mochileiras e passaram por Santiago, no Chile, Lima e Machu Picchu, no Peru, e estavam no Equador. Na bagagem, carregavam o sonho de sair de sua terra natal e conhecer a América Latina. Queriam asas para voar mundo afora. Muito antes disso, porém, tiveram suas vidas interrompidas de forma brutal, juntamente com seus planos.
Não bastasse toda a tragédia, elas foram assassinadas, enorme discussão levantou polêmica. Foi até criado a hashtag #viajosozinha. Há quem diga que Marina e María foram mortas por viajarem sozinhas e que na companhia de um homem isso não teria acontecido. Será? Difícil responder. Mas, o ‘x’ da questão não é esse. Até quando mulheres terão de lidar com esse tipo de preconceito? Até quando terão de ouvir que por serem mulher perderam o direito à ‘liberdade’ de fazer o que bem entendem, quando, onde e por qualquer razão que julgarem digna, como viajar o mundo sozinhas ou na companhia de uma amiga?
A mochileira e socióloga Flávia Bigai Coleta, 33, já passou por diversos destinos. Entre eles, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Cuba, Argentina, Uruguai, Chile e conheceu vários Estados brasileiros. Diante do fato mencionado acima, ela levanta série de questões que mostram o quanto vivemos, ainda hoje, em sociedade machista. “É importante mencionar que muitas mulheres sofrem violência pelo simples fato de serem mulheres. Outro dilema é o modelo de identidade feminina construída em torno do mundo doméstico, onde cabe às mulheres as responsabilidades do lar e educação dos filhos, reforçando os estereótipos do que seria uma mulher ideal para os padrões exigidos pela sociedade. Isso reflete diretamente em suas vidas, pois sempre são associadas a fragilidade, ao ser dócil, a mãe, ou seja, alguém indefesa que não pode circular pelo espaço público”, explica. Especificamente sobre o Equador, local que já visitou e onde os corpos das duas jovens foram encontrados, ela conta que teve sérios problemas de assédio. “Mas isso não acontece somente nas viagens, acontece diariamente”, lamenta.
A blogueira Lala Rebelo, 27, que já conheceu 55 países desde quando começou a se aventurar pelo mundo, aos 15, relata que já sentiu medo. “Tive o azar de ter sido cercada por seis homens em um trem na França, em 2009, só porque estava sozinha no último vagão. Graças a Deus fui livrada de algo extremo, porque consegui fugir do trem, mas pensar no que poderia ter acontecido me estremece até hoje”, relembra. Diante desse fato, Lala acredita que não existe lugar 100% seguro. “Infelizmente, em pleno século 21, continuamos à mercê daqueles que acham que podem fazer o que quiserem com as mulheres, principalmente em um lugar não familiar para nós. E isso pode ocorrer em qualquer país, do mais rico ao mais pobre, do mais diferente culturalmente ao mais similar”, opina. Em seu blog (lalarebelo.com), ela dá dicas para mulheres de todas as idades, de como se preparar para passar um tempo a sós em um país desconhecido.
Também habituada a viajar sem companhia, a fluminense Marselha Brandão, 34, já encarou diversos roteiros nessa condição. Entre eles, o Litoral de São Paulo, Litoral do Rio de Janeiro, Estrada Real, em Minas Gerais, Patagônia argentina, Peru com Macchu Picchu, lado esquerdo do Brasil – Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Amazonas –, além de África do Sul, Botswana, Namíbia, Zâmbia e Europa – Escócia, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Hungria, Itália, Espanha, França, Portugal e Dinamarca. “Viajar sozinha me atrai por diversos motivos. Primeiro, e para mim o mais importante, é a oportunidade de autoconhecimento. É uma escola. Me fez descobrir mais de mim do que qualquer terapia me mostraria.”, explica. Marselha evita, porém, preocupação desnecessária à família. “Meu pai sempre me fala: ‘Pode voar. Vai cuidar da sua vida. Mas deixe um contato para saber onde começar a procurar caso seja necessário’”, afirma.
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