Por você

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Miriam Gimenes

Já me coloquei no lugar de outras mães, da minha, inclusive, até de Maria, aquela que gerou Jesus. Mas nunca havia tido empatia com meu próprio filho. O fiz depois de uma queda que teve durante um fim de semana em que fiquei com ele em casa e, como estava com a chupeta na boca, machucou um dos dentes, que sangrou no ato. E me ver com os olhos dele foi revelador. Eis o resultado: “Mamãe vive com pressa. Geralmente a acordo todas as manhãs pedindo a mamadeira e sou atendido. Só que, em seguida, peço colo, e ela diz que precisa tomar banho porque tem de ir trabalhar. ‘Se ficar aqui no sofá vou me atrasar.’ Coloca meu desenho favorito e sai. Depois de se arrumar e tomar seu café, me troca ­– eu sempre tentando fugir para ganhar mais um tempinho com ela –, escova os meus dentes e me leva para a vovó, onde fico até o horário de ir para a escola. À noite, ela vai me buscar ­(sempre fico feliz quando a vejo e te dou um abraço), dá a janta, brinca, algumas vezes lê os livros que peço, me coloca na cama, reza comigo e espera eu dormir enquanto mexo nos seus cabelos. Todos os dias são assim.

Só que chega o sábado e mamãe, quando não vai trabalhar, fica um pouco a mais comigo no sofá. Abraço ela bastante, aproveito este tempo, mas logo ela sai para a cozinha. Diz que ‘precisa cuidar das coisas’. E eu pergunto: ‘Mamãe, por que tem de fazer essas coisas’. Ela: ‘Porque se não fizer ninguém faz por mim’. Em um sábado desses resolvi brincar sozinho. Corri de um lado para o outro da sala com meus carrinhos. Mamãe disse para parar com a correria. Continuei. Depois de um tempinho, escorreguei e cai de boca no chão. O problema é que estava com a chupeta. Doeu muito. Ela, na hora, disse: ‘Não falei para parar de correr? Uma hora ou outra ia dar nisso! Por que continuou?’ Respondi: ‘Eu só queria brincar’’.

Pronto. Essa frase do Lucas me doeu na alma. Senti como se tivesse levado um tapa com um estampido ensurdecedor. Pensei em uma postagem que vi no Face, de uma pergunta feita a Dalai Lama sobre o que mais o surpreendia na humanidade. E ele: “Os homens. Porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer. E morrem como se nunca tivessem vivido”.

Meu pequeno é apenas uma criança tentando aproveitar ao máximo ­– e à sua maneira – os dias e eu, uma adulta correndo atrás do tempo que vejo esvair entre os dedos. Ontem Lucas media 44 centímetros e saia no meu colo da maternidade, hoje alcançou um metro de altura e amanhã estará em uma estatura que não precisará mais afagar os meus cabelos para dormir. Prometo, portanto, filho, deixar algumas ‘coisas’ para fazer de lado, ser menos apressada e lembrar, diariamente, o real significado da palavra viver. Por você, por você.

 




Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados