Made in Brasil

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Miriam Gimenes

Rodrigo Santoro não é mais só nosso. Rompeu as fronteiras brasileiras, alcançou Hollywood há mais de uma década e agora estrela um dos principais papéis de sua carreira no cinema, na pele de Jesus Cristo. Ele ganhou, literalmente, o mundo

A distância entre o Brasil e os Estados Unidos é grande. Se contabilizada em linha reta entre o centro geográfico dos dois países, em rota aérea, chega a 7.308 quilômetros. Para fazer o trajeto, o avião leva pouco mais de dez horas, se for em velocidade média. Agora imagine percorrê-lo ‘à unha’? É claro que falamos em sentido metafórico, mas Rodrigo Santoro constrói essa estrada passo a passo há mais de dez anos. Usa como filosofia de vida o trecho do poema escrito pelo espanhol Antônio Machado: “Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar.” E tem valido à pena. Tanto que começou com uma participação de relance no filme As Panteras Detonando (2003) – o que lhe rendeu algumas críticas ­–, mas hoje já é um dos brasileiros com carreira internacional de maior sucesso e acaba de estrelar o remake do filme Ben-Hur, no papel de Jesus Cristo.

É claro que o talento, aliado a um pouco de sorte, o ajudou na empreitada, sem contar com paciência e perseverança, que podem ser notadas no alto dos seus 41. Tem também como responsável direta a ioga, prática da qual é adepto há anos. Ele diz que ela o auxilia tanto na profissão quanto no dia a dia. “É atividade que me proporciona consciência corporal, faz bem para a mente, me acalma e me coloca no estado que estava procurando.” Foi nela e na meditação que se apoiou para encarar o desafio e a responsabilidade de interpretar o filho de Deus e entrar, nem que fosse um pouco, em seu estado de espírito. “Quanto mais tivesse em contato com meu interior, quanto mais tentasse buscar o máximo de conexão com o que está dentro, este seria um caminho muito mais interessante do que todas essas referências que pudesse buscar sobre ele.”

Rodrigo define o personagem como “incomparável, imensurável”. Por isso, balançou com a responsabilidade de fazê-lo. “É claro que a experiência dá mais confiança, ferramentas para escolher, se conhecer. Posso dizer que não consigo comparar esse (papel) com os outros, porque inevitavelmente foi uma jornada íntima, espiritual e pessoal. Este foi diferente, por razões óbvias.” E, por conta de sua dedicação, ficou entendido do assunto. Explica que existem dois tipos de forma de representá-lo: o Jesus bíblico e o humano. O ator ficou com a segunda opção. “Cresci com uma avó católica e a outra espírita e, sob estas influências, fui batizado cristão. Quis conhecer um pouco do Jesus histórico. No fim das contas, quanto mais pesquisava, mais percebia que o caminho não era esse. Então, o procurei dentro de mim.”

E o que se vê nas telas é um homem que poderia se confundir com qualquer outro, não fosse seu diferencial: ele tinha luz. A cada vez que Jesus aparece em cena, quase sempre dividida com Ben-Hur (Jack Huston), dá para perceber não só a grandiosidade do seu espírito como também a importância que sua vinda à Terra teve para a história da humanidade. E o ator, em um dos seus papéis mais importantes no cinema, conseguiu passar isso com o máximo de verdade. Inclusive na cena fatídica da crucificação, filmada em Puglia, na Itália. Impossível não se emocionar.

O ator lembra que nesse dia fazia um frio abaixo de zero e ele, é claro, teria de ficar sem roupas. A sua jornada começou às 2h, levou seis horas para fazer toda maquiagem e foi para a cruz onde, para não sofrer, gravou tudo em uma tomada só. “Sentia frio, mas não me importava. Eu estava entregue.” Só de lembrar do momento em que foi colocado na cruz e olhou a cidade toda de cima, inclusive as pessoas, Rodrigo tem a mesma conduta do espectador: chora. “Não tem como descrever o que senti ali.” Os ecos daquele dia ficaram nítidos não só nas telas de cinema como também em sua vida.

Santoro garante que essa experiência o transformou completamente em todos os sentidos. “Antes, tinha uma ideia do que era, uma idealização dessa figura e, por meio do processo do filme, pude desenvolver verdadeira relação, porque me aproximei à minha forma. Acessei um lugar dentro de mim em que construí relação muito mais profunda e, para mim, mais verdadeira do que as imagens que tinha. Quando me perguntam da responsabilidade e do desafio de fazer Jesus hoje posso dizer que são enormes, mas não são maiores do que o aprendizado que tive saindo do personagem.” Como qualquer ser humano, reconhece suas qualidades e defeitos e que praticar o que Jesus pregou em vida é tarefa difícil. “Uma coisa é você saber (de seus conselhos), outra é fazer parte do seu dia. Como trabalhar o perdão? Como dar a outra face? É superdifícil. É válido falar, acreditar e ler, porém isso não basta. O maior aprendizado é esse: é preciso sair da palavra e colocar na prática.” A experiência, pelo visto, foi transcedental.

CURRICULUM

Inúmeras foram as novelas e minisséries que o ator, nascido em Petrópolis, fez no Brasil. Entre os papéis de destaque estão Pátria Minha (1994), Hilda Furacão (1998), Suave Veneno (1999) e Mulheres Apaixonadas (2003). O último folhetim do qual participou e foi bem elogiado, diga-se, ­ainda está no ar: Velho Chico, em que interpretou Afrânio ainda jovem. Este trabalho foi feito no intervalo de gravações da nova série Westworld, da HBO e estrelada por Anthony Hopkins, Evan Rachel Wood e Ed Harris, produzida por J.J.Abrams. Baseada no filme de mesmo nome, de 1973, a trama mostra um parque temático em que o público pode vivenciar outras épocas da história, como Roma Antiga, Idade Média e Velho Oeste, através da realidade virtual. “Não posso dar detalhes do personagem. O que posso adiantar é que sou um cowboy e foi uma experiência incrível em todos os sentidos poder trabalhar com esses gigantes na frente e atrás das câmeras.” A série, em que ele será o vilão, deve estrear em outubro.

O ator, que já atuou também em filmes como Simplesmente Amor (2003) e 300: A Ascensão do Império (2007), admite que ainda sente dificuldade em atuar na língua estrangeira. “É um exercício. Não aprendi a falar inglês desde pequeno. Quando você não aprende uma coisa desde criança, quando a ‘folha’ ainda está em branco, é sempre mais difícil. Estou aqui (no Brasil) há um mês e quando volto (para lá) sempre dá uma enferrujadinha. Fiz a novela, Velho Chico, e tinha facilidade para fazer o improviso. Consigo improvisar na outra língua, mas a bateria às vezes acaba. É mais trabalho.” Ainda não há previsto, no entanto, nenhum trabalho para o ator em terras tupiniquins, onde também estrelou filmes como Abril Despedaçado e Bicho de Sete Cabeças (ambos em 2001), além de Carandiru (2003).

Pelo andar dos fatos, embora não admita, a sua carreira internacional parece ser o foco. Pretende dar prosseguimento aos passos que vem dando há anos. Questionado se acha que os brasileiros sentem orgulho dele, Rodrigo pondera. “Procuro não estar focado nisso, não posso depender disso para trabalhar e para viver. Senão vou ser como Ben-Hur, vou virar um escravo e estar com foco em uma coisa que não tenho menor controle. A minha relação com o mundo é muito do que está na minha frente. Isso é virtual. Estou ali fazendo meu trabalho e se posso de alguma forma trazer alguma sensação de orgulho fico muito feliz, mas não posso me pautar nisso porque não é saudável e vai me desviar do que é real, do que preciso fazer.” Precisa mesmo. Como afirma a sabedoria popular, a estrada para o sucesso está sempre em construção. Boa viagem, Rodrigo.

 




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