A Vera é pop

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Vanessa Ratti

Vida pacata no Interior de São Paulo, educação rígida, três irmãs, cerca de 50 primos, 28 tios e diversos sobrinhos (ela decidiu não ter filhos), todos inseridos em família tradicional. A não ser pelo sotaque marcado e pela timidez – que ela jura que a acompanha – parece mentira que a atriz Vera Holtz, no ar na novela das 21h, nasceu e cresceu neste cenário e distante dos holofotes, em Tatuí, a 145 quilômetros da Capital. Ela definitivamente não seguiu o conse­lho do pai, que dizia: “Quanto menos vista, mais apreciada”.

E 46 anos depois de deixar a pequena cidade, Vera, que tem 63, interpreta, com maestria, a primeira vilã da carreira, a megera Magnólia, além de participar recentemente do filme Maresia e de mais três longas que ainda não estrearam – Berenice Procura, Toc: Transtornada Obsessiva Compulsiva e Malasartes e o Sucesso com a Morte – , sem deixar de lado o título de diva das redes sociais. Tudo só foi concretizado porque a artista escolheu sair do comodismo. Na infância, se via rodeada de gente e dos ‘freios’ que o pai impunha sobre ela, que chegavam até a sufocar.

Mas quem nasceu para ter espírito livre não consegue ficar preso por muito tempo. Foi o que aconteceu. Depois de encarar a rigidez do pai Pedro, hoje ela lembra do fato com carinho, como se fosse o ‘empurrão’ que faltava para que se jogasse na vida. “O que me fez sair de casa foram as brigas com o papai e, até nisso, ele estava certo, queria que eu fosse independente”, conta a atriz à Dia-a-Dia. As deliciosas histórias da infância que Vera viveu junto com as três irmãs interessaram até o diretor Evaldo Mocazel, que deu vida ao documentário As Quatro Irmãs. A escolha tem motivo especial: foi naquela época que o lado artista da atriz nasceu, entre paisagens e discussões que ouvia dos tios mais velhos. Esses fatores ajudaram a aflorar sua curiosidade. “Aprendi a desenhar e até me alfabetizei com as histórias em quadrinhos, papai tinha muitas”, lembra.

Com o passar dos anos, a menina tímida começou a amadurecer e, assim como já era esperado, até pela personalidade de Vera, ela sentiu que havia ‘sugado’ tudo o que podia de Tatuí. Então, aos 23 anos, percebeu que era hora de partir. “Aquela situação não dava mais para mim. A porteira abriu e eu sabia que algo me esperava lá fora”, revela. E não é que ela tinha razão?

Assim começava sua carreira que, segundo Vera, é feita de ciclos. E o primeiro foi ingressar na Escola de Arte Dramática da USP (Universidade de São Paulo), onde teve contato com o teatro. “A primeira peça que eu vi foi com a Myriam Muniz (atriz importante em São Paulo, que faleceu em dezembro de 2004). Foi quando eu disse: ‘Quero fazer isso, não sabia nem o que era’, conta. Mesmo sem ter concluído o curso, partiu para o Rio de Janeiro, cidade em que estreou nos palcos, em 1979, com Rasga Coração, escrita por Oduvaldo Vianna Filho. E foi também em solo carioca que, em 1982, o Brasil conheceu o talento de Vera, agora pela televisão, na minissérie Quem Ama Não Mata, de Euclydes Marinho, exibida pela Globo.

Como em qualquer carreira, as dificuldades apareceram. No começo, a artista revela que era difícil dominar o espaço diante das câmeras sem ter interação com a plateia, como era no teatro. Porém, esse foi um problema passageiro. Em 1989, foi convidada por Roberto Talma para participar de Que Rei Sou Eu?, e agarrou a chance de mostrar a que veio. Ao interpretar a jovem Fanny, criada de confiança do todo-poderoso Ravengar (Antônio Abujamra), ela se consolidou como atriz. A moça boazinha e contida foi um sucesso e o sotaque, que era a principal preocupação da atriz, não foi empecilho. “Ninguém sabia quem era, quem era aquela atriz que estava chegando”, lembra. De lá para cá, o posto de uma das maiores atrizes do Brasil foi consolidado, afinal já são 16 anos marcando presença nas telinhas.

No topo dos principais personagens da carreira está Mãe Lucinda, de Avenida Brasil (2012). A novela, que foi unanimidade nacional, é de autoria de João Emanuel Carneiro e já foi transmitida em 132 países, conquistando o público por onde passou. Nela, Vera interpretou a mãe do lixão, que criou dezenas de crianças em sua casa. Na trama, a megera da vez era Carminha, papel de Adriana Esteves. Quatro anos depois, Magnólia chega firme e má. Mag, ainda que timidamente, veio com a missão de criar encrenca. E o responsável pela preparação da personagem e do resto do elenco de A Lei do Amor é Eduardo Levic.

“Comecei pegando o exemplo de grandes vilões como Kevin Space, por exemplo, e fui buscar referências em séries de ficção”, conta a atriz. Além disso, ela revela que a grande inspiração para as telinhas foram as mulheres que, inicialmente, estão por trás da figura do marido e, depois, dominam a cena. “Evita Perón é uma delas. Hoje no cenário norte-americano temos também a Hillary Clinton, que ficou com o marido durante a vida política dele e, agora, foi candidata à presidência”, completa. Com um pouco de cada uma surgiu Magnólia.

“Bandida de colarinho-branco”. É assim que a atriz traduz sua atual personagem. Por ser muito família, dona Mag não mede esforços pelo ‘bem’ dos interesses familiares. Começou por separar o casal Pedro (Reinaldo Gianecchini) – seu enteado na trama – e Helô (Cláudia Abreu), maldade que causou indignação do público. “Eles me olham na rua como se eu fosse outra pessoa. Desde o começo da trama o motorista que me leva para a rede Globo diz: ‘Desculpa, mas já estou com medo da senhora’. Está sendo bem engraçado, nunca tinha vivido esse tipo de situação.” Ainda segundo ela, os telespectadores têm muito a esperar dessa vilã. “Magnólia vai derramar muito sangue por aí.”

Entre as multifacetas da vilã, há uma que desperta a maior polêmica: ao mesmo tempo em que planeja e executa todas as maldades, também é uma mulher muito religiosa, que preza pelos valores cristãos e pelos mandamentos. “Hoje as pessoas usam a religião, ou melhor, a doutrina, para fazer guerra. E Mag se esconde no catolicismo”, diz. Além disso, há a questão de que São Dimas – cidade onde toda a história da novela é contada – é pequena e comandada por famílias ricas. “Acredito que poderia ser muito bem a região do Grande ABC a ser retratada, por exemplo. Nesses locais existem grupos que cuidam da cidade e acreditam que estão acima do bem e do mal. É o caso de Magnólia. Ela realmente acredita que nada pode atingi-la”, alfineta a atriz.

DIVA SOCIAL

Além de vencer nos palcos da vida, do teatro e ser sucesso nas telinhas e no cinema, Vera Holtz é sensação também na internet. Em 2015, criou um perfil no Instagram e no Facebook, onde sempre publica fotos reflexivas e cheias de críticas sobre situações da vida. As imagens fizeram com que os fãs a apelidassem de diva da internet. “Eu lacrei”, brinca, sobre a novidade. Para sua minigaleria, como a atriz gosta de chamar sua página pessoal, tem fotos pensadas especialmente por ela. “Queria falar sobre essa coisa que as mulheres têm de prender o cabelo, de fazer coque, mas não sabia o que exatamente. A ideia era fazer uma crítica sobre a correria do dia a dia. Um dia, fui a uma festa de aniversário e minha prima pendurou dois balões no meu cabelo. Apareceu a foto e deu muito certo.” Mesmo priorizando o espontâneo, a iniciativa desses perfis foi toda pensada pela equipe de Vera.“Minha advogada Andrea Frances sempre quis que eu aderisse às redes sociais, mas não tinha como ficar me fotografando e postando coisas sobre a minha vida. Fiz reunião com produtores culturais, com bastante gente. Um dia conseguiram me convencer a publicar essas imagens”, completa.

As fotografias sempre vêm acompanhadas de uma legenda com apenas uma palavra, e muitas postagens são até difíceis de entender, levando o internauta a ter sua própria leitura sobre a obra. Na que Vera aparece com um peixe na boca com a legenda ‘reflexividade’, diversos sentimentos foram provocados nos internautas. Um deles postou: ‘Desespero. Agonia. E muita arte!’. Outra, em que ela aparece com a intenção de saborear moedas, é mais fácil traduzir. O público comentou algo como ‘ganância’ e ‘estão colocando o dinheiro como primordial, como o mais importante, e é esse tipo de coisa que vão passar para a próxima geração’. Uma das imagens mais comentadas na página é que Vera aparece com algumas facas em um pão. ‘Lutar pelo pão de todos os dias’, ‘Talvez as facas sejam o governo, mas tenho certeza que a massa é o povo’ , foram alguns dos comentários.

Vera, que não esperava todo esse sucesso, diz que o tipo de público que a acompanha mudou depois da iniciativa. “Hoje tenho um pessoal que se interessa por arte e tem diferença de idade entre as pessoas que me seguem. O resultado foi incrível.”

 



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