Cristovam Buarque faz livro inspirado em visita a refugiados na fronteira entre a Turquia e a Síria

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Miriam Gimenes

Em setembro de 2015, a imagem do garoto sírio Aylan Kurdi, 3, que foi encontrado morto em uma praia turca após a família tentar fugir da Turquia para a Grécia, abalou o mundo. Não houve quem visse aquela foto e não se emocionasse. E o senador Cristovam Buarque (PPS) não foge à regra. Meses depois a este triste incidente, ele foi lançar um livro na Turquia e pediu à organização do evento para conhecer de perto a realidade dos campos de refugiados entre Istambul e Kilis, na fronteira com a Síria, próximo a Alepo. O que viu e vivenciou nos quase 1.000 quilômetros percorridos durante a viagem instigaram o educador a fazer o livro, recém-lançado, Mediterrâneos Invisíveis (Editora Paz & Terra, 173 páginas, R$ 32,90).

O senador, que está em seu segundo mandato, faz um relato do que viu e ouviu ao reconstruir parte do caminho trilhado pelo pequeno Aylan Kurdi. O autor entrelaça a tragédia do Mar Mediterrâneo a partir da desestabilização política na Síria, no Iraque, no Afeganistão e em alguns países da África, com os outros muros invisíveis que separam os cidadãos ao redor do mundo. O objetivo, segundo ele, é refletir sobre possíveis saídas para diminuir as diferenças sociais, a nível mundial, e cria o conceito de ‘planetania’, em que os políticos devem não apenas se preocupar com o interesse individual de suas nações, mas com as questões planetárias. Veja, a seguir, seu relato:

“Entrevistei diversos refugiados porque queria escrever um artigo para um jornal. Visitei as casas, os locais onde a comida era distribuída, conversei bastante. Ao invés de um simples artigo, terminei fazendo o livro sobre os refugiados, porque percebi que não só lá, mas no mundo todo, todos querem emigrar para buscar uma situação melhor. Como os pobres do Nordeste querem ir para o Sul, como os da periferia que querem ir para o Centro. A intenção é sempre a mesma. O que eu vi (na Turquia) foi um número imenso, sobretudo de mulheres, que tinham perdido seus maridos, filhos, irmãos, e todas elas praticamente vinham de famílias que quando estavam na Síria tinham condições razoáveis de vida. Muitas falavam inglês, não precisavam de intérpretes.

Encontrei professores, professoras, engenheiros, todos sem nada porque tiveram de fugir dos bombardeios e das perseguições de rebeldes. Vi milhares de crianças ou sem escolas ou com escolas muito precárias custeadas pelos turcos, algumas pelo governo e outras por entidades civis religiosas. O movimento turco de solidariedade é muito grande. E, principalmente, uma falta de esperança em relação à solução da crise. Não vi elas almejando voltar para a Síria dentro de poucos anos. Estava ali de passagem para irem mais longe do país possível.

E foi lá que percebi a ideia que virou o título do livro. Ao redor de cada casa, hospital, escola dos ricos, existe o Mediterrâneo que a gente não vê, que separa os pobres dos ricos. O Mediterrâneo está na forma dos muros dos condomínios, das cercas que são construídas, são as catracas que não deixam as crianças entrarem nas boas escolas, são os portões dos hospitais. E o livro se transformou numa descrição dessa migração que o mundo inteiro, das pessoas que são impedidas de sair da pobreza. Na publicação, eu trouxe propostas de como resolver esse problema em três maneiras: uma é como a Europa está fazendo, que é não deixar entrar. Para eles, não há lugar para todos os pobres na parte rica do mundo. O (Donald) Trump está querendo fazer isso com o muro. Uma maneira indecente, desumana, que não vai funcionar porque as pessoas vão continuar migrando. A outra solução seria abrir as portas para todos, mas isso vai desestruturar a Europa, por exemplo.

Então a proposta que eu faço, ao invés de abrir as portas para todos, de proibir que os pobres imigrem, é de nós fazermos ­– quando digo nós estou querendo falar ‘o mundo’ ­– com que não seja mais necessária a emigração. No caso da Síria ela acontece por conta da guerra, porque lá não tinha pobreza gritante. As escolas da Síria não eram ruins. Mas os grandes países do mundo, se quisessem, conseguiriam ajudar para que houvesse paz. A Rússia arma o presidente (Bashar al-Assad) e os outros países armam os rebeldes.

No caso da pobreza, precisaríamos, o mundo inteiro, querer fazer desnecessária a emigração. Uma das ações seria a bolsa escola, que virou o Bolsa Família. Este é o grande problema da África, por exemplo. Podería-se dar uma renda, com a condição que não emigrem. Fica muito mais barato dar US$ 100 a cada família do que dar US$ 10 mil a soldados que ficam na fronteira. Seria um programa de Bolsa Família mundial, para fazer com que as pessoas da África tenham condições de vida.

O que fiz questão de mostrar no livro é que o Mar Mediterrâneo está em todas as partes. Na mesma semana que morreu o menino cuja foto viralizou, só em jornais e outras fontes identifiquei sete meninos que morreram também em Pernambuco, por exemplo, por falta de atendimento médico, por falta de oxigênio na UTI, na ambulância. A gente se choca com aquilo (menino afogado), mas é uma situação que acontece todos os dias em muitos lugares do mundo. Crianças doentes querendo migrar para onde tem oxigênio e não conseguem. A ideia central é isso: o Mediterrâneo que a gente não vê, mas que não deixa a pessoa chegar onde está o oxigênio e morre. E o meu papel, como político, é ajudar a divulgar a ideia de que o barco para atravessar esse mar só tem um nome e chama-se educação.“

 



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