Altas Habilidades

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Miriam Gimenes

Pais e especialistas têm de estar atentos ao aluno que parece ser um 'problema', mas que, na verdade, pode estar sendo visto pelas lentes erradas
 
 
A administradora Raquel Varuzza, 39 anos, de Santo André, sentia  arrepio cada vez que recebia uma ligação da escola onde seu filho estudava. É que, geralmente, do outro lado da linha só ouvia reclamações. Lucas, hoje com 16 anos, sempre foi hiperativo. “Todas as escolas que ele ia passando falavam que era muito inteligente, mas não sabiam lidar com ele. Em uma delas chegaram a me pedir para tirá-lo. Ele terminava de fazer as coisas, ficava agitado, não parava quieto. E eles não sabiam o que fazer, porque o Lucas não tinha nota ruim, nunca foi agressivo, mas não conseguiam encaixá-lo em um quadradinho”, explica.  
 
Aflita, a mãe chegou a pagar uma psicopedagoga que, após acompanhá-lo, não chegou também a nenhum diagnóstico. Até que ela matriculou-o em sua atual escola, em Santo André, que passou a acompanhá-lo mais de perto. “Tive sorte de ele ter uma coordenadora ótima e ela começou a perceber que não era só defeito, que tinha qualidades. E começou a tratá-lo com muito carinho. O que eu percebia é que sempre que alguém colocava autoridade sem explicar, ele piorava.” E foi aí que entrou projeto Ingenium, um núcleo criado no colégio Liceu Jardim para crianças de altas habilidades, mas que atende estudantes de todo o Brasil. 
 
 
“A professora me apresentou o projeto e, desde que o Lucas começou nele, a minha vida mudou. Achou um monte de criança parecida com ele, começou a ter pares. Antes, se achava estranho, tentava fazer amigos e não tinha habilidade. Com o projeto tudo começou a ficar mais fácil. Antes, uma criança que era vista como problema, começou a ser vista como solução”, lembra Raquel.  
 
A professora em questão atende pelo nome de Rosana Oliveira Silva, idealizadora do projeto Ingenium, que, na verdade, surgiu por uma necessidade pessoal. “Passei a pesquisar sobre crianças com altas habilidades há 11 anos, por causa do meu filho. Ele começou a ler com fluência aos 3 anos de idade. Aprendeu sozinho. Um dia fomos a um supermercado e leu, em voz alta, o que estava escrito no cartaz. Não acreditei. Mas começamos a perceber que era diferente já com 1 ano, quando montou, sozinho, um quebra-cabeça com 24 peças, algo anormal para uma criança desta idade”, lembra. O diagnóstico, no entanto, só foi fechado com 6 anos, quando fez um teste de QI (Quociente de Inteligência) que deu um número ‘altíssimo’.
 
Geralmente, alerta Rosana, crianças que têm altas habilidades começam, a exemplo de seu filho, a apresentar os indícios ainda cedo. É normal ter habilidades artísticas, leitura precoce, gostar muito de dinossauros, bandeiras, ter entendimentos geográficos, tudo muito precoce para idade. E, geralmente, não se adaptam ao aprendizado dos alunos que têm a mesma idade. “Quando o João foi para escolinha, se recusava a ficar na mesa de crianças com 3 anos, a idade que tinha. Queria ir junto para as de 5 anos. Mesmo as com essa idade, para ele, eram bebês. A escola entrou em contato com uma psicóloga e começaram a fazer testes e avaliações e sugeriram que ele tinha altas habilidades.” 
 
Segundo ela, é importante esse diagnóstico precoce. “A maior dificuldade que a gente (professor) encontra é dar suporte para estes alunos. Eles têm necessidades de aprender e a gente não dá conta. Isso pode desencadear também uma dificuldade social, de se identificar com outras crianças, pode também agravar as questões sociais com a família. A criança pode desenvolver também problemas na escola, enfrentamento com professor, depressão. Porque a criança não consegue entender o que está fazendo na sala de aula, já que aprendeu o que está sendo dado sozinha”, explica a profissional. 
 
Rosana, então, se especializou para atender seu filho. “Comecei um trabalho com professores, fiz um grupo de estudos, fizemos formação, preparamos todo corpo docente e meu filho foi para escola. E, depois que ele ingressou no projeto, muitas crianças apareceram. Na verdade elas já estavam lá, faziam parte da realidade escolar, mas os professores mudaram o jeito de olhar para elas. Vimos que existiam vários ‘Joãos’ na escola.” Uma das situações mais comuns, acrescenta, é diagnosticar estes estudantes com TDHA (Transtorno de Deficit de Atenção com Hiperatividade), o que implica tratamentos que pedem medicação. “E já peguei muitos casos que a criança não tem absolutamente nada. Ela só não é trabalhada para desenvolver o que tem de melhor.”
 
Com o projeto Ingenium, estas crianças recebem um trabalho diferenciado, que potencializa essas habilidades. As aulas são no contraturno escolar e o grupo, de maneira on-line, consegue atender crianças do País todo. “O Lucas, por exemplo, é um artista, um historiador, um gênio. Nós fomos trabalhando com ele, fazendo combinados e começou a criar um vínculo, respeito com a gente. Até que apresentou uma palestra no TEDx (projeto de compartilhamento de conhecimento do mundo, com mais de 100 idiomas e diversos temas)  que foi a melhor que já tivemos. Este ano vai apresentar uma em inglês”, comemora. 
 
Raquel diz que existe um Lucas antes do Ingenium e outro depois. “E o TEDx mudou a vida dele, que achava que não sabia falar em público. Depois de conseguir, chegou até a cogitar ser professor universitário. No ano passado ganhou um prêmio na escola de Melhores do Ano em Comunicação. Imagina para uma mãe, que passa a vida sendo chamada na escola para ouvir reclamação, ser chamada para ver o filho receber um prêmio.  Não tem preço. Estamos agora numa fase ótima com ele que espero que dure para sempre.” Força da educação.
 
 

 




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