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Assim como as veias de nosso corpo interligam uma série de órgãos, carregam enzimas e coordenam funções, a água é primordial para a sobrevivência do planeta. Por isso, não é possível abordar o assunto de forma isolada. A gestão (ou ingerência) das águas afeta tanto a vida selvagem quanto os seres humanos. Embora o cultivo de alimentos exija pureza de recursos hídricos, é nos rios e oceanos que despejamos os 2 milhões de toneladas de esgoto e resíduos industriais e agrícolas que produzimos anualmente, a maior parte sem tratamento. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), 800 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água, nem para beber. E das que têm, parte acaba ocupando a metade dos leitos hospitalares do mundo vítima de doenças provocadas pela contaminação. O problema mata mais do que guerras ou qualquer forma de violência urbana. Além disso, a força das águas serve para produzir energia. O Brasil, que hoje constrói no coração da Amazônia a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, conhece bem o tema. E o Grande ABC, que ‘importa’ água de Minas Gerais, também é afetado pela já anunciada ‘crise de acesso à água’, que deverá assolar ainda mais a humanidade dentro de poucas décadas. A equipe da Dia-a-Dia conversou com gestores, especialistas e lideranças para entender melhor o tema. Confira o resultado a seguir.
Não é apenas nosso corpo, composto de 65% a 70% de água, que precisa tanto deste líquido precioso. Todo o estilo de vida contemporâneo exige sua utilização de forma massiva, inclusive para a produção de alimentos e produtos. Segundo as Nações Unidas, 70% da água consumida no mundo são destinados à irrigação e outros 22% são usados pelas indústrias. Apenas 6% destinam-se diretamente ao consumo humano.
Por ser um elemento fundamental tanto à vida quanto ao atual modo de produção, este é um tema amplamente debatido por pesquisadores, lideranças governamentais e sociedade civil.
O engenheiro ambiental Zafar Adeel, diretor geral do UNU-INWEH (Instituto de Águas, Meio Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas) e vice-presidente da Força Tarefa das Nações Unidas para Segurança da Água, afirma que se não houver mudanças até 2050, quando o mundo tiver 9,6 bilhões de humanos, nós estaremos excedendo o total de água disponível em mais de 20%. E mais de 40% da população estará vivendo em áreas com problemas relativos à água.
Em tese, o planeta tem capacidade para suprir a necessidade de água de todas as pessoas. O problema é que gestores públicos e privados, bem como grande parte da população, não levam a sério a conexão que a água possui com diversas áreas, e apesar de o tema ser pauta nas agendas internacionais, a efetividade das estratégias deixa dúvidas.
Em junho do ano passado, o Brasil – que abriga 13% de toda a água do planeta - sediou a Rio+20, maior conferência já realizada na história da ONU. Alvo de muitas críticas, o encontro, que reuniu 100 chefes de Estado, representantes de 188 países e 45 mil delegados, teve como meta principal estabelecer os ODSs (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), apresentando soluções para problemas relacionados ao meio ambiente em sequência a um processo que atingiu seu ápice durante a Eco-92, no Rio de Janeiro.
Na época da realização da Rio+20 – duas décadas após a primeira conferência -, Adeel ocupava a presidência do Departamento de Águas da ONU. Em entrevistas anteriores ao evento, o diplomata demonstrava otimismo quanto aos resultados do encontro que, assim como em 1992, poderia mudar radicalmente as políticas ambientais em todo o globo, incluindo o tratamento com a água.
Mas isso não aconteceu. Na prática, o documento final – intitulado O Futuro Que Nós Queremos -, com 53 páginas, apresentou apenas duas delas sobre água e não apontou nenhuma proposta de ação efetiva. Todos os pontos importantes deverão ser definidos em 2015, em novo encontro de cúpula. “De modo geral, eu e meus colegas da ONU ficamos decepcionados com o documento publicado pela conferência. Houve uma grande lacuna por parte das lideranças internacionais. O presidente Obama (Estados Unidos) não estava presente, nem David Cameron (primeiro-ministro da Inglaterra). Foi a deficiência de um processo que não atingiu resultados significantes, o que também se aplica às recomendações que saíram sobre água”, revelou Adeel em entrevista exclusiva à Dia-a-Dia.
Apesar do desencanto quanto à Rio+20, o especialista ressalta que o documento trouxe pontos positivos, especialmente quanto ao estreitamento da relação de água com alimentos, energia e segurança. “Se você pensa nisso como um triângulo, sabe que se tocar em uma ponta vai afetar a outra”, pondera.
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ALIMENTOS
De acordo com o departamento de agricultura norte-americano e o Centro de Inteligência de Genética Bovina, apenas Brasil e Estados Unidos produzem 21 milhões de toneladas de carne. Isso significa que, por ano, 350 bilhões de litros de água são gastos na produção do bife nosso de cada dia. Quando questionado sobre este assunto, Adeel faz coro com a maior parte dos ambientalistas: “Acredito que há algo de errado nessa conta, nos padrões de consumo. Quando você olha para a quantidade de água utilizada para produzir um quilo de carne versus a de um quilo de trigo, verifica uma grande diferença entre esses dois fatores.”
De fato. Um quilo de trigo requer entre 500 e 4.000 litros de água, dependendo da região do planeta. Usamos água para produzir alimentos que serão destinados a animais e, somente então, consumidos por humanos. “O que estamos propondo é que, quando fornecidas as informações nutricionais (nas embalagens), a empresas informem também quanto d