Dados são dos últimos cinco anos, de 2018 a 2023; no mesmo período, foram registradas 6.259 ocorrências de tráfico de entorpecentes
Nos últimos cinco anos, foram apreendidas 58,6 toneladas de drogas nos municípios do Grande ABC. Segundo levantamento do Diário, com dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), a maconha foi a substância química com maior volume retirado das vias, com 44 toneladas. Na sequência aparecem cocaína (10), crack (1), além de outros entorpecentes (2), como Ketamina (anestésico geral), ecstasy, haxixe, lança -perfume, LSD (dietilamida do ácido lisérgico), skunk, merla (subproduto da cocaína) e cogumelos.
De janeiro de 2018 a março deste ano, as polícias apreenderam na região 342 gramas de DMT (Dimetiltriptamina), anfetaminas, inalantes e boa noite, cinderela. Além de 5,8 mil litros de lança-perfume e LSD. No documento, a SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado) pontuou que pode haver duplicidade em algumas das ocorrências.
Os dados foram levantados para a segunda reportagem da série ‘Vício Regional’, publicada aos domingos durante o mês de julho, e traz um raio-x das drogas no Grande ABC. (A primeira reportagem está disponível no site www.dgabc.com.br)
No mesmo período, foram registradas 6.259 ocorrências de tráfico de entorpecentes. De acordo com dados da SSP, as forças de segurança da região notificaram 976 casos de apreensão de entorpecentes em cinco anos, que ocorre quando um ou mais indivíduos são encontrados vendendo, transportando ou utilizando qualquer tipo de droga.
O delegado Francisco José Alves Cardoso, titular da Delegacia Seccional de Santo André, que também abrange as cidades de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, destaca o trabalho das forças de segurança. “O tráfico é uma questão muito delicada, combatida diuturnamente, que passa pelas polícias Federal, Civil, Militar, Rodoviária, além da GCM (Guarda Civil Municipal). Penso que esse é um dos principais problemas no Grande ABC, a droga é destruidora de famílias, um mau maior que pode estar em uma sociedade, e um combate constante é fundamental porque evita o envolvimento de jovens, adolescentes e adultos”, diz.
Santo André e São Bernardo são os únicos municípios na região que contam com unidades especializadas para combater o tráfico de drogas, com a atuação da Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes). Esses locais trabalham para identificar e interromper redes de contrabando, prender traficantes e apreender drogas ilícitas.
A delegada titular da Delegacia Seccional de São Bernardo, Kelly Cristina Sacchetto Cesar de Andrade, destaca que em seis meses, de janeiro a junho deste ano, a unidade prendeu 74 pessoas em flagrante por tráfico de drogas - a Seccional também é responsável pelo município de São Caetano. No mesmo período, foram lavradas 318 ocorrências envolvendo apreensão de drogas nas duas cidades, aumento de 36% em relação ao mesmo período do ano passado.
A SSP destaca que as polícias utilizam abordagem multifacetada, envolvendo investigações, trabalho de inteligência, monitoramento geográfico e atuação em campo para combater o tráfico de drogas no Estado.
DROGAS SINTÉTICAS
Sobre as drogas tipo K (leia mais abaixo), a delegada Kelly Cristina explica que esse tipo de substância já está presente na região, e que em seis meses a Seccional de São Bernardo apreendeu 130 porções somente de K9. As substâncias sintéticas, ou ‘super maconha’, costumam ser misturadas com outros entorpecentes, como crack e cocaína.
“A mistura não dificulta o trabalho da polícia, pois sempre haverá o princípio ativo presente na substância, ainda que haja mistura com outros elementos químicos. A combinação ocorre geralmente para aumentar a quantidade da droga ou para potencializar seus efeitos”, explica Kelly.
Delegado do Denarc explica origem e impacto das substâncias sintéticas
As drogas conhecidas por deixar dependentes químicos como ‘zumbis’ tem tomado os municípios do Estado de São Paulo, principalmente na região da Cracolândia, na Capital. Com rápida expansão, as drogas tipo K surgiram nos Estados Unidos, em 2010, e foram desenvolvidas, a princípio, para serem uma substância parecida com a maconha, e com baixo valor de mercado, conforme explica o delegado do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) de São Paulo, Fernando Góes Santiago.
O agente da Polícia Civil descreve a diferença entre as drogas tipo K. Segundo Santiago, o estado original dessas substâncias é líquido, e o que determina a variação delas é como são vendidas. Por exemplo, se a droga for apresentada em papel encharcado com líquido, é conhecida como K4. Se for em tabaco umedecido é chamado de K4, enquanto o K9 é uma espécie de K2 mais potencializado, porém, com mais cetamina (anestésico), e pode aparecer em formato de pó ou similar a erva da maconha. (Veja ilustração abaixo)
“Se formos comparar com a maconha, a potência é maior com toda a certeza, mas, por exemplo, em comparação com a cocaína nem tanto. Quando uma substância começa a ter mais popularidade, eles desenvolvem formas de deixa-lá mais forte. Todas as drogas K são parecidas, mas no caso da nove ela é potencializada, com ingredientes como a cetamina, e o efeito é realmente mais forte”, ressalta Santiago.
ORIGEM
O delegado conta que as drogas K chegaram ao Brasil para atender a população carceraria, por conta da sua aparência, como o caso da K4, produzida em forma de papel, e possui mais possibilidades de ser contrabandeada em presídios do que a versão em tabaco (K2).
Em fevereiro deste ano, durante revista por raio-x, uma mãe foi flagrada tentando entrar no CPD de Diadema (Centro de Detenção Provisória) com 1.369 fragmentos de K4 escondidos na palmilha de uma chuteira.
“Por ser mais barata, as drogas tipo K tiveram boa aceitação dos dependentes químicos de baixa renda. Por isso se popularizou na cracolândia, onde muitas pessoas não são nativas da região, mas se deslocam até lá por conta do baixo preço”, finaliza.
‘Não quero usar essa droga nunca mais’, diz usuário
A popularidade das drogas sintéticas do tipo K no Estado de São Paulo, desperta a curiosidade de usuários viciados em outros tipos de entorpecentes, como crack e cocaína. Dependente químico há 35 anos, Caique (nome fictício por questão de segurança), 44, revela que se arrependeu de ter usado K9 por conta do agressivo efeito neuropsíquico.
“Essa droga é muito mais forte que o crack, e olha que o crack é a pior que existe. Dei apenas três tragos e perdi totalmente o controle do meu corpo, a brisa é mil vezes pior, você vai ao inferno e volta. O K9 está estralando, o pino custa R$ 10, e a galera está vendendo até no lugar do crack. Quem não sabe a diferença dos dois, compra, usa e fica mal”, relata o usuário sobre sua experiência com a substância sintética.
Sobre a venda das drogas tipo K, o delegado do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), Fernando Góes Santiago, esclarece que a venda casada de substâncias químicas sempre ocorreu. “O traficante sempre tenta diluir a cocaína, que é um produto caro, em adulterantes. No início, eram usados adulterantes neutros, sem efeito farmacológico e psicoativo, como fermento e giz de cera, por exemplo. Em determinado momento, quem vende percebeu que estava enfraquecendo o produto, por isso começaram a acrescentar substâncias com maior efeito psicoativo, exemplo das drogas tipo K. No caso da cocaína, apenas 14% do que é vendido no mercado é o produto de fato”.
Caique diz que a primeira vez que usou K9 foi por insistência de um amigo, na Vila Sacadura, em Santo André. “Quando usei meu corpo entortou, minha cabeça foi para baixo, meus braços para cima, e fiquei três horas olhando para o chão, parado em um ponto de ônibus. Você sabe onde está, mas não consegue se mover”, explica.
Morador da favela do Heliópolis, na Capital, o dependente químico passa dias, às vezes semanas, no ponto de drogas localizado na beira da linha férrea da estação Utinga, localizada entre Santo André e São Caetano. Em desabafo, Caique conta que sonha em mudar de vida. “Estou parando com o crack, agora vou só cheirar pó. Não quero usar essa droga (K9) nunca mais. Na verdade, sabe o que quero mesmo? É parar com as drogas de vez”, desabafa.
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