Precisamos falar de saúde mental

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Vanessa Soares

Pela complexidade do assunto, profissionais da área defendem que tema precisa ser amplamente debatido.

Uma pesquisa da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 2019 apontou que o Brasil é o País mais ansioso do mundo, com 18,6 milhões de pessoas sofrendo com o transtorno. Um outro estudo, realizado pela Funcional Health Tech – empresa especializada  em inteligência de dados e serviços de gestão no setor de Saúde –, no início deste ano, demonstrou que entre 2014 e 2018 o consumo de antidepressivos cresceu 23% no País. 

Dados como esses justificam por si só  a campanha Janeiro Branco, realizada desde 2014, que tem como objetivo colocar os temas da saúde mental em evidência em nome da prevenção ao adoecimento emocional da humanidade. Mas com números tão expressivos e em constante ascendência, diversos órgãos e profissionais da área, como a psicóloga Ivani Francisco de Oliveira, conselheira vice-presidente do CRP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo) e coordenadora do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) de Santo André, defendem que a atenção ao problema deveria acontecer o ano inteiro. Confira abaixo o que ela fala sobre o assunto:

O primeiro mês do ano está sendo marcado pela campanha Janeiro Branco. Por que você acha importante falarmos sobre saúde mental?

É importante falarmos sobre saúde mental para nos questionarmos sobre por que há um grande número de pessoas em sofrimento mental e sobre quais são as situações geradoras de desorganização psíquica. Essa reflexão precisa ser ampliada a ponto de pensarmos em ações específicas que garantam o acesso a serviços humanizados.

O CRP defende que saúde mental precisa ser tratada o ano inteiro. Você concorda com a campanha Janeiro Branco?

Concordo parcialmente. Observo na campanha um fundamento centrado na psicopatologia e nos psicodiagnósticos com uma lógica que reduz a complexidade da saúde mental à psicoterapia exercida pela psicologia em sua modalidade clínica, sendo que existem diversas formas de cuidado e atenção à saúde mental que podem ser feitos em parceira com outras categorias profissionais. Entretanto, vejo que há um aspecto positivo na campanha que é o potencial de diminuir o preconceito contra as pessoas com sofrimento psíquico.

Quais características de uma pessoa saudável mentalmente?

Uma pessoa com boa saúde mental manifesta um bem-estar subjetivo, boas relações com o meio ambiente, possui recursos psicológicos suficientes para lidar com o estresse cotidiano, encontra-se em um estado de equilíbrio entre o exercício de suas capacidades e as exigências do entorno social, pela qualidade de suas relações com o meio ambiente. Enfim, na nossa sociedade capitalista é aquela pessoa que consegue trabalhar de forma produtiva.

Quais fatores mais contribuem para que um indivíduo adoeça?

O adoecimento está para além de determinantes biológicos ou desequilíbrios químicos que precisam ser corrigidos. As pessoas têm adoecido por fatores advindos de situação de desemprego ou más condições de trabalho e também devido aos efeitos psicossociais gerados pelo racismo, machismo, LGBTfobia, xenofobia, capacitismo (discriminação e preconceito social contra pessoas com alguma deficiência), por serem expostos a violências ou a barreiras atitudinais que se contrapõem à pluriparidade humana.

Segundo a OMS, o Brasil é o País mais ansioso do mundo, com 18,6 milhões de brasileiros sofrendo com o transtorno. Na sua opinião, por que alcançamos o primeiro lugar nesse pódio?

Ansiedade é um estado emocional que pode tanto nos beneficiar como pode nos prejudicar, depende da situação e da intensidade. O Brasil é um País onde as experiências de vida cotidiana têm sido marcadas por incertezas, crises econômicas, ódio e negatividade como arma política, perda de direitos sociais e trabalhistas, violações dos direitos humanos, entre outros. Tudo isso gera estresse. Vivemos em permanente contexto de perigo social.

Com números tão expressivos, o que estamos fazendo de errado? Nosso estilo de vida contribui para isso?

Erramos enquanto sociedade. Precisamos restaurar a esfera pública das nossas vidas, afinal, saúde é um direito social, inerente à cidadania, e requer compromisso político tanto de gestores das políticas como de cada uma das pessoas. É preciso desnaturalizar as opressões que restringem nossos direitos a ter alimentação saudável, educação de qualidade, saúde pública, cultura, lazer, direito a moradia, acesso ao emprego. O Estado brasileiro tem sido produtor das desigualdades que nos adoecem, logo, não é possível viver em contexto de desigualdade e injustiças e acreditar que o adoecimento é o simples resultado de escolhas de estilos de vida.

Existe alguma chance de melhorar esse cenário? De que maneira?

Acredito que é possível resgatando nossos direitos, direcionando nosso poder de decisão política e de influência social enquanto cidadãos para mudanças sociais que fomentem uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, onde existam espaços para a manifestação das subjetividades.

Como podemos ajudar uma pessoa que desenvolveu algum tipo de doença?

Podemos acolher, cuidar, sermos afetuosos e oferecer nossa presença enquanto uma companhia que apoia sem fazer julgamentos. É preciso entender que muitas vezes é necessário um tempo para as potencialidades da pessoa se restabelecerem e para que a melhora se apresente.

Como identificar se alguém próximo está sofrendo com algum transtorno?

Cada pessoa apresenta uma maneira distinta de ser e agir, e é percebida por cada um de nós também de forma distinta. Portanto, não basta simplesmente identificarmos e classificarmos algo como um sintoma se não considerarmos o contexto que pode ter determinado o surgimento de um sofrimento. Superar as barreiras dos preconceitos no encontro com o outro nas relações interpessoais é o suficiente para que a pessoa em sofrimento sinta-se segura para pedir ajuda.

 

 




Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados