O intervalo de uma década pode ‘abrigar’ mudança significativa na vida de uma pessoa. No caso da atriz Sophie Charlotte, 30 anos, essa guinada refletiu em vários aspectos, tanto pessoais quanto profissionais. Há nove anos, por exemplo, ela interpretava Amália, filha de Griselda, a Pereirão, seu primeiro papel em uma novela das 21h, na Rede Globo, a Fina Estampa (2011). Menina doce, até inocente, que pode ser revista agora, no mesmo horário, na reprise escolhida pela emissora em razão da pandemia do novo coronavírus. Foi também neste período que ela ganhou outros papéis de destaque, casou-se, teve filho – Otto, 4 anos, com o também ator Daniel Oliveira – e agora estreou a protagonista da série Todas as Mulheres do Mundo, escrita pelo amigo Domingos Oliveira, morto no ano passado, disponível pela Globoplay.
E como é se ver depois desse período? “É como viajar no tempo, ver um avatar seu com menos vivências, experiência profissional e pessoal, mas com mais colágeno. É engraçado! E ao mesmo tempo uma conquista ver a minha evolução, e o tanto que trabalhei. E que nesse ofício o tempo é um grande aliado, contrariando a falácia de que a juventude é o ponto alto da vida. A vida é feita de fases, movimento. Cada fase com sua beleza, sua força”, reflete atriz, que nasceu em Hamburgo, na Alemanha, e que veio para o Brasil aos 7 anos.
Ainda que a novela, que mostra os desafios enfrentados pelas classes mais baixas da população, tenha sido televisionada há nove anos, para ela, trata de temas superatuais, como o machismo e discriminação. “Avançamos em muitos sentidos. Pouco, mas acredito que de forma mais definitiva em alguns aspectos. E em outros pontos ainda estamos descortinando preconceitos para depois conseguirmos evoluir”, acredita.
Sobre o seu trabalho mais recente, a série Todas as Mulheres do Mundo, em que interpreta Maria Alice, papel originalmente feito por Leila Diniz, Sophie é só elogios, inclusive ao autor e amigo, que partiu ano passado, aos 82 anos. “Domingos Oliveira foi meu mestre na arte e na vida. Aprendi com ele no teatro, no cinema e até nas conversas sobre as perguntas fundamentais e filosóficas da vida. A poesia era o Norte que guiava tudo. Maria Alice foi criada para Leila Diniz, no filme Todas as Mulheres do Mundo. Domingos escreveu essa personagem para reconquistar ela, pois foram casados e ele continuava apaixonado por ela. Não voltaram a ficar juntos, mas o registro daquele amor está impregnado naquela película. É um filme lindo! Maria Alice como personagem é encantadora, uma mulher livre e espontânea. Que vive a vida como uma grande aventura.” A sua Maria Alice, que carrega a doçura e a força da liberdade, uniu uma outra paixão de Sophie: a dança. Bailarina formada, ela mostra todo seu talento também coreográfico.
E, como ela mesma disse, o que rege o texto do filme e agora da série é amor. Para ela, ainda que a história mostre o ponto de vista do homem, Paulo (Emíliio Dantas), em relação ao sentimento, não existe diferença de gêneros no que diz respeito ao gostar. “Cada ser humana é único. E vive o amor à sua maneira. Isso me encanta. Acredito que a jornada masculina moderna é em parte essa, se conectar com sentimentos que estavam caracterizados como femininos. Mas que são, na verdade, humanos. O amor, a delicadeza, o afeto devem ser entendidos como manifestação para todos.”
Emoção e diversão, segundo ela, são dois resultados diretos para quem assiste ao trabalho. “Eu me diverti e me emocionei muito fazendo essa série e refleti também sobre a vida, sobre o amor, sobre a nossa realidade, nossa atualidade. Se é para se esperar alguma coisa, acho que é isso e também conhecer um pouco mais do Domingos para quem não teve essa oportunidade. De conhecer um pouco como ele enxergava a vida e a partir daí conhecer a obra dele, que é imperdível.” Além dela estão no elenco Lilia Cabral, Fernanda Torres, Maria Ribeiro, Fábio Assunção e Felipe Camargo, entre outros.
EM CASA
Não só o aspecto profissional, mas também a realidade mundial mudou desde Fina Estampa para cá. O isolamento físico está sendo seguido à risca pela atriz e sua família. “Sou muito privilegiada, posso cuidar da minha casa, meu filho. Buscar paz e rezar para encontrarmos logo uma solução para essa crise. Mas é desesperador pensar na desigualdade que marca o nosso País. E que muitos estão sofrendo privações desumanas, enquanto digo essas palavras. Vivendo em condições insalubres e sem perspectiva nenhuma. Espero que como sociedade a gente repense o sofrimento do outro. E pare de acreditar na meritocracia. Que seja o ponto de partida de uma revolução de paradigmas.” Ela espera que, a partir dessa experiência, o olhar para o meio ambiente seja outro, inclusive no quesito da sustentabilidade.
Na hora de tratar sobre o assunto com Otto, não esconde o que está acontecendo, mas como toda mãe tenta passar por isso da melhor forma possível. “Estou tentando o meu melhor, oferecendo todo meu amor e cuidado. Brincando muito, cuidando do aprendizado e saúde. Explicando a realidade do momento que estamos vivendo, sem esconder os fatos, nem a gravidade do que está acontecendo no mundo. E também lembrando como é bom sair, ver o mar , o mundo.... como é bom encontrar com os avós, primos, amigos. Tentando conectar ele com o que espero que possamos voltar a viver em breve.” É por ele e para ele que quer voltar a fazer teatro e, se possível, uma peça infantil, para que o pequeno possa assistir.
E como se vê daqui a dez anos? “Viva. Feliz. Realizando.” Guarda inúmeros sonhos, os quais prefere não revelar. “São meus segredos. Não gosto muito de contar sonhos. Prefiro realizar e depois compartilhar. Mas são muitos! O primeiro, depois da quarentena acabar, será dar um mergulho no mar.”