Oito entre cada dez discussões na internet, nos últimos dias, têm sido sobre o Big Brother Brasil, reality show exibido pela TV Globo há 21 anos. Mesmo quem não assiste, não consegue escapar de saber o que acontece na casa mais vigiada do Brasil. E um dos focos da discussão é sobre ativismo e os danos que podem ocorrer quando há personalização das lutas. As causas, sejam elas quais forem, nunca servirão a interesses individuais. Ter isso em mente é a chave para não cair nas armadilhas do senso comum.
Primeiro é preciso lembrar que as pessoas que ali estão disputam R$ 1,5 milhão. O que cada um de nós seria capaz de fazer por essa quantia de dinheiro? Qual o efeito sobre as pessoas de estar o tempo todo sob o escrutínio da opinião pública, ainda que de maneira voluntária? Se havia entre os participantes pessoas que se declaram militantes de qualquer que seja a causa, isso certamente não é a única característica que os define. Militantes também falham.
Com um recorde de rejeição, a última eliminada (na data em que finalizo essa coluna) foi a cantora Karol Conká, que entrou na casa como um ícone do empoderamento feminino e saiu como a unanimidade entre os rejeitados. Outras figuras, de quem também se esperava uma militância sensata, deram e continuam dando demonstrações de egocentrismo e individualismo.
Isso quer dizer que toda pessoa que se declara militante vai ser intolerante e devemos cancelar toda e qualquer luta coletiva? É óbvio que não! São as pessoas quem fazem as lutas, por ideias que muitas vezes não são palpáveis. E cada ser é único. Com suas qualidades, defeitos e contradições.
Quantas vezes não fomos nós os intolerantes, ainda que para defender algo que nos parecia justo? Quantas vezes, ao invés do diálogo e da escuta, não optamos – mesmo que não tenha sido de forma consciente – pela briga e violência?
O Brasil vive um momento único em sua história em que uma pandemia mundial ceifa vidas, empregos, esperança. Tudo o que não precisamos agora é desacreditar da validade das lutas, especialmente aquelas que cobram igualdade, equidade, justiça social.
Devemos lembrar que seja qual for a causa, nunca haverá um representante único dela. Que as militâncias são feitas por milhares de pessoas, que gravitam em torno de uma mesma ideia. Alguns mais ao centro, perto da raiz da questão (e daí vem o termo radical, que não necessariamente é algo ruim), outros posicionados no que poderíamos chamar de ‘meio’, com capacidade de dialogar com quem está às margens, capacidade essa fundamental para que o movimento cresça e seja fortalecido.
No centro da militância, seja ela qual for, nunca poderá haver a figura de um militante. Sempre haverá de estar a ideia, o objetivo, que, repito, jamais pode servir a interesses individuais. Personalizar as lutas é matar os movimentos. O que existe de avanço no combate ao racismo, ao machismo, à lgbtqfobia, deve-se ao trabalho de ativistas, militantes, que dedicam uma vida para buscar formas mais dignas de existência.
Se o feminismo, essa que é a minha causa, é hoje uma força mundial e pressiona por mudanças e avanços, é porque contou com a atuação de mulheres (e os homens que nos apoiam), que acertaram e erraram ao longo da história. A quem interessa que tudo isso seja desacreditado?