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Vinícius Castelli
Brasil é líder em casos de depressão e ansiedade por conta da quarentena, aponta estudo
Isolamento físico, depois distanciamento social, atividades cessadas, incertezas. A vida transformada de uma hora para outra. A pandemia da Covid-19, que chegou ao País no início de 2020, mudou a rotina da população. Com isso, ansiedade e depressão passaram a fazer parte da vida de vários brasileiros, que até então desconheciam essas situações.
Estudo liderado pela Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, feito em 11 países e do qual a USP (Universidade de São Paulo) participa, avaliou a saúde física e mental e sua relação com atividades de lazer no tempo livre como forma de enfrentamento da doença, envolvendo diversos locais em distintos continentes.
Segundo a pesquisa, o Brasil teve os maiores índices de ansiedade, taxa de 63%, e de depressão, 59%. Depois está a Irlanda, com 61% das pessoas com ansiedade e 57% com depressão, seguida pelos Estados Unidos, com 60% (ansiedade) e 55% (depressão). Participaram também Bulgária, China, Cingapura, Espanha, Índia, Macedônia, Malásia e Turquia.
Publicado neste ano no periódico científico International Journal of Environmental Research and Public Health, o estudo contou com 13.263 pessoas, maiores de 18 anos. Segundo a pesquisa, os brasileiros têm sofrido drasticamente, sobretudo pela privação de atividades de lazer fora do ambiente doméstico, por conta da pandemia.
De acordo com a psicóloga clínica de São Caetano Luísa Chiocheti, além do crescimento do número de casos de ansiedade e depressão, nota-se aumento do número de pessoas que estão reconhecendo seus sintomas relacionados a essas doenças e procurando ajuda.
A profissional explica que entre os fatores que a pandemia trouxe para causar ansiedade e depressão, estão dúvida, medo e incerteza, pois se trata de uma situação global, perigosa e desconhecida.
“Em sequência, acho que o fato de irmos nos deparando com as mortes, de pessoas próximas ou não, de forma descontrolada. As pessoas sentem-se desamparadas e precisam lidar com toda a impotência que a situação impõe. Ao mesmo tempo, além de lutar para proteção da própria vida e de pessoas amadas, há um cenário econômico bastante desfavorável e a população tem de lidar com a questão da sobrevivência em outro âmbito, o das necessidades básicas (alimentação, moradia, trabalho etc)”, explica.
Segundo o psicólogo clínico André Correia, a falta de atividades de lazer, por conta da pandemia, contribui mesmo para o aumento dessas doenças. “Além de não descansar, de não ter pontos de relaxamento, os pensamentos estão sendo sobrecarregados com informações de perdas e estresse constantes. O descanso, tão necessário para uma mente saudável, tem precisado buscar substitutos”, explica.
Coordenadora de atendimento ao cliente e vendas internas de uma empresa de festas e eventos, Jamile Rigo, 42, é uma das pessoas que tiveram de encarar a depressão com a chegada da pandemia. Após o anúncio da quarentena, no início do ano passado, passou a trabalhar em casa – forma que segue desde então – e viu suas atividades sociais cessarem.
“Com a pandemia nossa rotina mudou muito. Estava acostumada a ir para São Paulo todos os dias, reunião em cima de reunião. De repente a gente se viu em um mundo em que não podia sair, trancado em casa, com medo”, relata.
O agravante foi a perda da cachorrinha, em junho. “Minha depressão começou aí. Chorava de solidão, pois éramos eu e ela aqui no apartamento, e no fim ela dependia totalmente de mim”, explica. Jamile conta que não queria acreditar que estava com depressão, mas começou a perceber sintomas. Chorava muito, não queria ver ninguém nem conversar, mesmo com a família. Começaram as dores de cabeça, problemas no sono. Até que foi diagnosticada com depressão e passou a cuidar com medicação.
A situação até melhorou com a chegada de outra cachorra, filhote. “Mudei da água para o vinho. Foi nítida a mudança”, lembra. Mas a nova cadela morreu dias depois, vítima de parvovirose. “Com tudo isso, dentro de casa, a gente tem medo (da pandemia). Se vai para algum lugar, entra e sai”, lamenta.
Para Alexandre Saldanha, 39, a chegada da pandemia trouxe crises de ansiedade. Tinha vida agitada e, desde então, vive confinamento em sua própria casa. Saídas apenas para supermercado e farmácia, se necessário.
Ele trabalha com distribuição digital de música, além de ser músico. Já estava habituado a trabalhar de casa. Mas deixou todas as outras atividades de lado. “Sou músico. Sempre ensaiava, fazia e assistia shows. Costumava almoçar fora quase todos os dias para sair um pouco de casa. Pedalava (de bicicleta) uns 150 quilômetros por mês. Encontrava com amigos em bar, viajava muito”, recorda.
Com tudo isso pausado, veio a ansiedade e as boas noites de sono foram embora. Começou a tomar melatonina para ajudar a dormir. No início foi bom, mas em seguida não bastava para uma noite toda de descanso. Passou a meditar com ajuda de vídeos no YouTube.
Mas as sessões de terapia têm sido essenciais. Ele conta que a psicóloga disse que seu caso é compreensível, por tudo o que está acontecendo no mundo, mas já sugeriu que consulte um psiquiatra se o problema da falta de sono persistir. Para ajudar, além da terapia tem feito aulas de ginástica, em casa, com professor orientando virtualmente. E a música, sua paixão, tem ajudado bastante. “Tenho um álbum pronto, com 12 ou 13 músicas, para ser ensaiado e gravado (pela banda que participa, Reverendo Frankenstein, do Grande ABC).
Na casa de Saldanha, ele não é o único diagnosticado com crises de ansiedade. Sua mulher, Andreia Dias Marinho, 36, também trata o problema. Ela, que nunca havia passado por isso, diz que o que desencadeou a situação foi a parada completa das atividades sociais. Sai apenas para traba-lhar, pois é dona de uma loja de roupas junto de sua mãe. Cantora e contrabaixista na banda Time Bomb Girls, viu as atividades com o grupo serem interrompidas.
Além do medo da situação, com a pandemia desenfreada, soma à sua ansiedade “a agonia de ver tanta gente agindo normalmente, não se importando com o próximo”, diz, sobre pessoas que se aglomeram e não fazem uso de máscara de proteção.
Andreia tem tido muita dificuldade para dormir, assim como o marido. Além disso, conta que teve inflamação no rosto e feridas na cabeça. “Tive que ir à dermatologista porque não conseguia nem pentear o cabelo, pois sentia muita dor”. Ela parou as sessões de terapia, por enquanto, mas diz que algo que tem ajudado é a música, já que gosta de compor, e as sessões de exercício físico que faz em casa. “Minha amiga é educadora física e me passou um treino”, diz.
“Está bem difícil manter a esperança, mas a mínima que resta é pensar positivo que uma hora haverá vacina para todos e poderemos viver um pouco mais em paz. É a única esperança aqui dentro”.
O psicólogo alerta para que as pessoas fiquem atentas a alguns sinais, como tristeza frequente, medo, angústia, sensação de perda de controle, alteração do sono e da fome, irritabilidade e outras alterações de humor e comportamento. Ele explica que “ignorar os sinais pode fazer com que essas doenças mentais evoluam para quadros ainda mais severos de crise de pânico e a depressão se tornar intensa e extremamente agressiva, com riscos reais à vida”.
O profissional alerta para o fato de que ansiedade e depressão não escolhem idade. “Existem casos de crianças e adultos apresentando sintomas. A cada fase da vida elas podem se manifestar de maneiras diferentes. Portanto, é necessário ficar atento a mudanças de comportamento e humor para buscar auxílio o quanto antes.”
Luísa explica que, além de buscar ajuda profissional, realizar algumas atividades, mesmo que dentro de casa, pode ajudar a saúde mental. Ela diz que o contato com a natureza (Sol, plantas, animais) pode proporcionar bem-estar e ser regulador de sintomas de ansiedade e depressão.
“Prática de atividade física simples que possa ser realizada em locais improvisados. Hobbies como leitura, filmes, séries ou outros programas que nos deixem afastados por um período das notícias pesadas sobre o cenário da pandemia. Procurar forma de respiração que traga calma e ajude no manejo dos sintomas ansiosos. Fazer algum tipo de trabalho manual também ajuda a trazer nossa consciência para o momento presente.”
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