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Aline Melo
Terminada a 21ª edição do Big Brother Brasil, muitas pessoas focaram sua atenção na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que o Senado brasileiro está realizando para investigar possíveis falhas do Governo Federal no combate à pandemia de Covid-19. Em um Congresso majoritariamente masculino, nenhuma senadora foi indicada pelos partidos para ser membro titular ou suplente da Comissão, mas um acordo com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), garantiu direito de fala às senadoras. No entanto, não há uma participação delas que não seja interrompida pelos senadores. Quem tem medo das vozes femininas?
O acordo foi proposto logo no início dos trabalhos pela bancada feminina, que reúne 11 parlamentares e representa apenas 13,5% entre os senadores. No eleitorado brasileiro, as mulheres são 52,8% do total. O combinado é que mesmo não estando entre os titulares ou suplentes da comissão, a cada dia, uma senadora poderá fazer as perguntas a quem estiver depondo na CPI. Não tivesse sido aceito pelo presidente da Comissão, as senadoras só teriam direito à palavra depois que outros 18 senadores tivessem se manifestado.
Apesar disso, o acordo foi questionado por senadores governistas, como Ciro Nogueira (PP-PI), que não reconheceu o combinado logo no primeiro dia em que uma das senadoras teria direito de fazer os questionamentos. Alegou que se as lideranças não haviam indicado mulheres “a culpa não era dele”. Apaziguado os ânimos, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) pode fazer as perguntas, mas os ataques não cessaram.
Uma matéria da Folha de S.Paulo relatou que no dia 20 de maio, durante o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) teve seu discurso interrompido 11 vezes pelos seus pares. Muito embora o ambiente tumultuado seja uma coisa relativamente comum em comissões dessa natureza, chama a atenção a dificuldade que as mulheres têm em concluir suas explicações, raciocínios e questionamentos, muito mais do que ocorre com os homens.
Existe um termo em inglês que explica esse comportamento insistente de homens (mas não apenas eles) que interrompem sucessivamente as mulheres. O “mainterrupting” é uma das muitas faces do machismo. Estudos já foram realizados e mostraram que essa situação faz parte do cotidiano das mulheres, nas mais diferentes situações, e evidenciam desigualdades de gênero, porque é a validação de que as vozes das mulheres merecem menos respeito e/ou atenção.
E não raro, quando são cansadas de serem interrompidas e resolvem reagir com mais veemência, as mulheres são taxadas de “nervosas”, “histéricas”, como vem ocorrendo nas reuniões da CPI. Se a firmeza no discurso e a agressividade nas defesas das ideias são características que recebem elogios e admiração nos homens, com as mulheres essas mesmas manifestações são vistas com maus olhos e apontadas como sinal de desequilíbrio. Em pleno século 21, ainda se espera que as mulheres tenham medo de se expressar e se submetam não só às vontades, mas também às vozes masculinas. Quem tem medo das vozes femininas?
Crédito da foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Senadoras Simone Tebet (MDB-MS), Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Soraya Thronicke (PSL-MS) argumentam com o senador Ciro Nogueira (PP-PI)
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