Mesmo curados, pacientes sofrem com sequelas da covid

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Aline Melo

Cansaço, taquicardia, zumbido no ouvido e queda de cabelo estão entre os mais de 50 sintomas já identificados

 

A pandemia de Covid-19 fez muitas vítimas e contaminou milhares de pessoas. Apenas no Grande ABC, até o dia 22 de julho, já havia 233.551 casos confirmados da doença e 9.485 óbitos. Os números expressam a violência de um vírus que ainda desafia a medicina. Do total de pessoas que se infectaram, mais de 214 mil já se recuperaram, mas cerca de 2% ainda sente algum tipo de sintoma ou consequência da doença, mesmo meses após a cura.

Os casos mais comuns dizem respeito a desconfortos de ordens motora, cardíaca e respiratória, mas há também sintomas como zumbido no ouvido e queda acentuada de cabelo. Na clínica Nobre Saúde, em Santo André, pacientes chegam a ficar até 90 dias para readquirir habilidades simples, como andar, mastigar e engolir os alimentos.

Respirar sem a ajuda de aparelhos também é um desafio, especialmente após longos períodos de internação e realização de traqueostomia, intervenção cirúrgica que consiste na abertura de um orifício na traqueia (na região do pescoço) e na colocação de uma cânula para a passagem de ar, indicado para casos em que a respiração do paciente não pode ser realizada pelas vias aéreas.

A preocupação com a necessidade de retomar o trabalho tem sido um dos agravantes de ansiedade nos pacientes, especialmente naqueles que desenvolvem atividades autônomas, apontou a coordenadora de psicologia da clínica, Talita Ribeiro da Silva. “A gente vê o que tem se reproduzido mundialmente. Muita ansiedade, com perdas emocionais importantes”, afirma.

Ser autônomo e ter que delegar a condução dos negócios foi a experiência do comerciante Gladstone Cesar Soares, 56 anos. Foram sete dias entubado e mais 30 na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), e agora está na fase final da recuperação, que também já dura quase um mês. Os movimentos foram reabilitados, já é capaz de comer sozinho e o que ainda o mantém na clínica é o tratamento de lesões por pressão, muito comuns em quem passa muito tempo hospitalizado e sem poder se movimentar.

A coordenadora de fonoaudiologia da Nobre Saúde, Juliana Venites, detalha que a disfagia, dificuldade em engolir, é causada também pela perda muscular, que afeta não apenas braços e pernas, mas também a musculatura responsável pela deglutição.

O trabalho conjunto entre diversos especialistas é uma das armas para a recuperação dos pacientes que tiveram Covid, aponta estudo publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos em março de 2021. Segundo a pesquisa, “do ponto de vista clínico, as equipes multidisciplinares são cruciais para o desenvolvimento de medidas preventivas, técnicas de reabilitação e estratégias de gerenciamento clínico com perspectivas de todo o paciente”, visando o cuidado com a Covid-19.

O estudo, assinado por cientistas de Estados Unidos, México e Suécia, estima que 80% dos pacientes infectados desenvolveram um ou mais sintomas a longo prazo. Entre os 55 identificados, os cinco mais comuns foram fadiga (58%), cefaleia (44%), distúrbio de atenção (27%), queda de cabelo (25%) e dispneia (24%).

Zumbido no ouvido

Um dos sintomas que aos poucos vão sendo associados aos quadros de Covid é o zumbido no ouvido. Pesquisas apontam que de 13% a 30% dos pacientes vão apresentar o quadro durante ou após a infecção. A doença também pode agravar situações preexistentes. Criadora e coordenadora do Ganz (Grupo de Apoio Nacional a Pessoas com Zumbido), a otorrinolaringologista Tanit Ganz Sanchez explica que, se há um ano a medicina entendia a Covid como uma doença respiratória, hoje já se sabe que ela, na verdade, ataca todo o organismo.

Além de ter efeitos sobre os vasos sanguíneos, também age sobre nervos ao longo do corpo e ativa o sistema imunológico, três mecanismos que, segundo a médica, podem explicar os sintomas fora do aparelho respiratório. “Como o ouvido tem um único vaso sanguíneo, qualquer alteração nos vasos pode ser sentida ali”, completa. A otorrinolaringologista destaca que o zumbido no ouvido foi um dos sintomas que demoraram para ser associado com a Covid e que muitos dos hábitos que se intensificaram com a pandemia, como sedentarismo, mudanças na alimentação com maior ingestão de carboidrato, mudanças na postura por conta do trabalho em casa, apertar os dentes como sinal de estresse e o próprio estresse são associados ao surgimento do zumbido.

PERDA DO OLFATO

Outra sequela que não vai evoluir para casos graves, mas que afeta a qualidade de vida é a perda do olfato. Um dos sintomas comuns durante a fase aguda de infecção, a incapacidade de sentir o cheiro das coisas pode persistir por muito tempo. Juliana Venites explica que existem dentro do nariz células neurológicas responsáveis pela decodificação do cheiro, e que elas são afetadas pela doença. A estagiária Thais Aidar, 29, teve Covid em junho de 2020 e até agora, mais de um ano após a contaminação, ainda não recuperou o olfato. A jovem afirma que em alguns dias até sente um pouco os cheiros, mas, na maioria deles, não consegue sentir nada.

Outra sequela que não será fatal, mas que afeta a qualidade de vida e a autoestima é a queda de cabelo. A jornalista Simone Bolleta, 48, teve Covid em janeiro e em março começou a notar o aumento na queda de cabelo. O problema foi se intensificando e hoje ela já tem várias falhas no couro cabeludo, o que a faz se sentir chateada e constrangida, especialmente com olhares de outras pessoas.

A farmacêutica Kika Chammas, fundadora da Dermare, marca brasileira de dermocosméticos, lembra que tudo relacionado à Covid ainda é muito recente, mas a queda de cabelo está entre as cinco queixas mais comuns, atingindo cerca de 25% dos pacientes. Kika explica que toda infecção tem potencial para enfraquecer os cabelos, e que, no caso da Covid, como normalmente há febre, perda de peso e  estresse, há redução na oxigenação do folículo capilar, causando a queda. De maneira geral, diz a especialista, o quadro é reversível.




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